domingo, 3 de janeiro de 2010

Aquecimento e acidificação da água elevam risco de extinções em massa

Acúmulo de gás carbônico na atmosfera afeta também os oceanos; efeitos ainda não foram sentidos no Brasil. Os recifes de coral costumam ser chamados de "as florestas tropicais do mar". São os ecossistemas de maior biodiversidade nos oceanos, com um quarto a um terço de todas as espécies marinhas associadas a eles de alguma forma. Diferentemente das florestas tropicais, porém, os recifes ainda estão longe de virar prioridade nas discussões internacionais sobre mudança climática. Sua influência no clima do planeta é mínima, mas sua vulnerabilidade aos efeitos do aquecimento é enorme. Os oceanos mantêm um intercâmbio permanente de carbono com a atmosfera. À medida que aumenta a concentração de dióxido de carbono (CO2) no ar, aumenta também a quantidade de gás carbônico dissolvido na água do mar. E quanto mais CO2 dissolvido na água, mais ácida ela fica. Se essa concentração aumentar demais, a água ficará tão ácida que os corais não conseguirão mais formar esqueletos de calcário e seus recifes começarão a se dissolver, literalmente. "Podemos dizer que o aquecimento global é a maior ameaça hoje à conservação dos recifes de corais", mais até do que poluição e sobrepesca, com o agravante de que a acidificação e o aquecimento são indiferentes a leis ou áreas de conservação, diz a pesquisadora Lauretta Burke, do World Resources Institute (WRI). Desde o início da era industrial, a concentração de CO2 na atmosfera aumentou de 280 para 380 partes por milhão (ppm), o que já resultou numa elevação de 30% no nível de acidez dos oceanos, segundo os dados de um relatório-síntese publicado no mês passado pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas. Cientistas acreditam que a partir de 450 ppm já haverá prejuízo significativo para a estabilidade dos recifes de coral. E há quem diga que o limite de segurança era de 350 ppm - ou seja, já foi ultrapassado. Segundo o relatório da CDB, uma concentração de 560 ppm reduzirá em 30% a capacidade dos corais de formar esqueletos calcários (que são a base dos recifes). Por um lado, a acidificação reduz a quantidade de minerais disponíveis na água para esse processo. É como se os corais perdessem os tijolos necessários para construir suas casas. Por outro lado, a acidificação torna a água corrosiva para os esqueletos que já foram formados. "É como se fosse um oceano de Coca-Cola", compara a pesquisadora Nancy Knowlton, do Instituto Smithsonian. Com esqueletos enfraquecidos, os recifes ficam também mais vulneráveis ao efeito de grandes tempestades, como os furacões, cuja ocorrência e intensidade tendem a aumentar por causa do aquecimento global - como uma pessoa com osteoporose que se torna mais vulnerável a quedas, ou uma floresta parcialmente desmatada que se torna mais seca e mais vulnerável ao fogo. Não bastasse tudo isso, o aquecimento do mar também tende a favorecer a ocorrência de doenças e branqueamentos, fenômenos que podem enfraquecer ou até matar os corais. O branqueamento é uma resposta natural a situações de estresse (como temperaturas extremas), em que os corais expulsam as microalgas fotossintetizantes que vivem em simbiose com eles e dão cor aos seus tecidos. Dois eventos extremos de branqueamento global já deixaram os cientistas sob alerta em 1998 e 2005 (dois anos extremamente quentes), e vários eventos localizados vêm ocorrendo desde então. Uma boa parte dos recifes conseguiu se recuperar, mas os pesquisadores temem que o aquecimento do planeta tornará os branqueamentos cada vez mais frequentes e mais perigosos, causando mortandade em massa de corais ao redor do mundo. SITUAÇÃO BRASILEIRA No Brasil, por enquanto, os recifes parecem estar resistindo bem aos efeitos do aquecimento, apesar de alguns sinais preocupantes. "Não vimos nenhuma mudança significativa até agora, nem para pior nem para melhor", diz a pesquisadora Zelinda Leão, da Universidade Federal da Bahia. "As taxas de recuperação após eventos de branqueamento aqui têm sido muito altas, felizmente", confirma Guilherme Dutra, diretor do Programa Marinho da ONG Conservação Internacional. A má notícia é que a ocorrência de doenças vem aumentando desde 2005 em toda a costa brasileira. "Até esse ano não havia nenhum registro de doença em corais no Brasil. De lá para cá já diagnosticamos seis. Foi uma progressão muito rápida", afirma Zelinda. Uma das razões pelas quais os corais brasileiros parecem ser mais resistentes ao branqueamento seria o fato das águas aqui serem mais turvas do que no Caribe ou no sudeste asiático, por exemplo, segundo o biólogo Clovis Castro, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenador do Projeto Coral Vivo. Isso reduz a incidência de radiação solar, que pode ser um fator adicional de estresse para o coral. Outra razão seria a possibilidade de os corais brasileiros serem naturalmente mais resistentes (melhor adaptados) a variações de temperatura. "Como várias espécies só existem aqui, a resposta é bastante específica", afirma Castro. Segundo ele, o Brasil tem só 16 espécies de corais verdadeiros (com algas simbiontes), das quais 5 são endêmicas. No mundo, são conhecidas mais de 750 espécies. O Caribe tem mais de 100 e a Indonésia, mais de 400. "Acho que os nossos recifes são hoje o que os outros serão no futuro: ecossistemas com uma biodiversidade baixa e prevalência de espécies resistentes a essas condições mais adversas", prevê Zelinda, caso as emissões globais de gás carbônico continuem a crescer. Diante do fracasso dos esforços internacionais de combater o aquecimento global até agora, os cientistas dizem que a melhor estratégia no momento é reduzir os impactos locais (como poluição e sobre -pesca) para que os recifes tenham uma chance melhor de resistir aos impactos globais. "Os recifes certamente têm a capacidade de se recuperar se lhes dermos uma chance. Mas só se lhes dermos uma chance", conclui a americana Nancy Knowlton.

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