sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Desertificação: A cada minuto, 12 hectares áridos

O alarido em torno do “fracasso de Copenhague”, na reunião da Convenção do Clima, impediu que a comunicação desse destaque a algumas discussões ali ocorridas, entre elas as que se referiam ao tema da desertificação e suas relações com mudanças climáticas (uma das causas centrais da desertificação progressiva no mundo, onde esse processo avança à razão de mais de 60 mil km2 por ano, 12 hectares por minuto). É pena. Ainda na nona reunião da Convenção da ONU sobre Luta contra a Desertificação, realizada em Buenos Aires, no final de setembro e começo de outubro, ficou claro que a situação continua a agravar-se. Só para focar mais perto de casa, foi dito ali que a América Latina e o Caribe já têm 25% de terras áridas, semiáridas e subúmidas secas. E destas, 75% com sérios problemas de degradação por causa do clima e do mau uso. Argentina, México e Paraguai são os países com mais problemas. Mas o Brasil tem mais de 1 milhão de km2 envolvidos no processo, dos quais 180 mil no Semiárido nordestino e mineiro, em situação mais delicada. Ao todo são 1.482 municípios (15% do território nacional) e 32 milhões de pessoas. Segundo a ONU, no mundo 2 bilhões de pessoas vivem em áreas com terras secas predominantes – 40% da superfície da Terra. Dessas, 325 milhões (40% da população total do continente) estão na África, onde o processo evolui mais rapidamente que em qualquer parte. Até 2025, diz a ONU, a seca pode atingir 70% do planeta. De 1990 para cá, cresceu 15% a área atingida. E quase nada se tem avançado no enfrentamento do problema, devido, além do clima, a desmatamento, mau uso e degradação do solo, urbanização em áreas antes férteis (em 40 anos um terço das terras de cultivo foi abandonado). E esse caminho é dos que mais contribuem para o crescimento do número de “migrantes ambientais”, que já são 24 milhões hoje e poderão ser 200 milhões em 2050. Entre nós a situação é mais grave nos 180 mil km2 e, nestes, em Irauçuba (CE), Seridó (PB), Gilbués (PI) e Cabrobó (PE). Na Paraíba, segundo estudo da Embrapa e da Unicamp, 66,6% das terras férteis foram comprometidas pelo processo de desertificação; no Ceará, 79,6%; no Piauí, 70,1%. Mas parte pode ser recuperada, com caminhos e métodos adequados. Só que dos R$ 49,4 milhões destinados a enfrentar o problema entre 2004 e 2009 apenas 20% foram utilizados (Congresso em Foco, 11/4/2009). Mas há caminhos para enfrentar o problema, no mundo e aqui. Entre nós, felizmente, passou a prevalecer a visão de que é preciso trabalhar a questão não tentando “combater a seca”, e sim adotando um programa de “convivência adequada” com o Semiárido e suas possibilidades. A propósito, o escritor Ariano Suassuna, que cria cabras em região árida, costuma dizer – e provavelmente por isso já foi citado aqui – que “enfrentar a seca criando um Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, como fizemos, é como criar um departamento de combate à neve na Sibéria”. Tarefa impossível. No campo da água, propriamente, o caminho mais indicado para abastecer as populações que vivem em pequenas comunidades isoladas, onde não chegam nem chegarão adutoras com águas de transposição, é o das cisternas de placas, que recebem a água de chuva canalizada nos telhados e a depositam em reservatórios de paredes cobertas por placas que impedem a infiltração na terra. Por esse caminho, na estiagem, uma cisterna pode abastecer com 20 litros diários de água cada uma das pessoas na casa, “uma bênção”, como disse ao autor destas linhas uma mulher no interior de Pernambuco, erguendo as mãos para o céu. Já se construíram mais de 200 mil cisternas de placas e é preciso chegar a 1 milhão, mas, infelizmente, o grosso dos recursos no Semiárido vai para o programa de transposição de águas do São Francisco, que não as atenderá, já que mais de metade da água transposta irá para programas de irrigação de produtos destinados à exportação e outra grande parte, para reforço do abastecimento de água das cidades que, em média, perdem mais de 40% da que sai das estações de tratamento. Nas zonas rurais, o caminho está também em barragens subterrâneas e barragens encadeadas, que viabilizem cada vez mais programas como a cultura de caju, do umbu, da cera de carnaúba, de fibras e outras, além da apicultura, piscicultura (em reservatórios já existentes), caprinocultura e outras. Em março, em Petrolina e Juazeiro, será realizado o Encontro Nacional de Enfrentamento da Desertificação, no qual se pretende construir um “pacto pelo desenvolvimento sustentável do Semiárido”. Será uma boa oportunidade de avançar. Não apenas conceitualmente, mas acertando a destinação dos recursos imprescindíveis, que até aqui são quase ridículos. Abrindo para sua utilização caminhos corretos, que não sejam nem o das megaobras como a do São Francisco (muitas vezes comentadas aqui), nem os que acabam concentrando água para poucos beneficiários (como nos grandes açudes construídos durante décadas em propriedades privadas, sem beneficiar o grosso da população). É preciso ressaltar, como tem feito a ONU, que a degradação da terra não é apenas consequência de mudanças climáticas, é causa também – como tem sido observado, principalmente, na África, onde a terra degradada é fonte geradora de emissões que intensificam o efeito estufa. A recuperação dessas terras ajuda a fixar carbono e até removê-lo da atmosfera. E nesse ponto entra em cena o problema do mercado mundial de carbono, em que os financiamentos continuam a escassear, ante a incerteza quanto do futuro do Protocolo de Kyoto e seu Mecanismo do Desenvolvimento Limpo, que destina recursos a esses caminhos. Os novos conceitos permitem enfrentar dois problemas ao mesmo tempo, o do clima e o da pobreza – não esquecendo que hoje há mais de 1 bilhão de pessoas que passam fome todos os dias.

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