O relatório Planeta Vivo de 2012, da WWF, traz duas medidas
úteis para se avaliar o impacto humano sobre o meio ambiente e a
disponibilidade de “capital natural” de cada país, região e do mundo. Os dados
são para o ano de 2008. A Pegada Ecológica serve para avaliar o impacto que o
ser humano exerce sobre a biosfera. A Biocapacidade avalia o montante de terra
e água, biologicamente produtivo, para prover bens e serviços do ecossistema à
demanda humana por consumo, sendo equivalente à capacidade regenerativa da
natureza.
A população mundial era de 6,74 bilhões de habitantes, em
2008, com uma pegada ecológica de 2,7 hectares globais (gha) per capita, o que
significa uma utilização de 18 bilhões de hectares globais. Como o mundo tinha
apenas 12 bilhões de gha de terras e águas bioprodutivas, isto significa que a
pegada ecológica da população mundial estava gastando 50% além da biocapacidade
do Planeta. Ou dito de outra forma, a humanidade estava gastando em 1 ano o que
a capacidade regenerativa da natureza só repunha em 1,5 (um e meio) ano.
Isto quer dizer que a população mundial já ultrapassou os
limites da sustentabilidade e só mantém o atual padrão de vida em função das
riquezas naturais e dos recursos fósseis acumulados há milhões de anos. Quando
estes recursos acabarem (especialmente os não renováveis) haverá um grande
descompasso entre o capital econômico e o capital natural. Se nada for feito
nos próximos anos o choque de um colapso ambiental poderá ser extremamente
doloroso no futuro.
A pegada ecológica e a biocapacidade são diferenciadas de
acordo com a escala de análise. Nos países de alta renda (classificados como
desenvolvidos) a pegada ecológica estava em 5,6 gha e a biocapacidade em 3 gha
per capita. Isto significa que a população do grupo de países mais ricos tinha
um déficit ambiental de 84% entre o impacto do consumo e a capacidade
regenerativa do território da região (ou sobreconsumo de 84%). O grupo de
países de renda média (inclui China, Índia, Brasil, etc.) tinha uma pegada ecológica
de 1,92 gha – bem menor do que a do grupo desenvolvido – mas também uma
biocapacidade per capita bem menor, de 1,72 gha, resultando em um déficit
ambiental de 12% (ou um sobreconsumo de 12%). Já os países de baixa renda
tinham tanto uma pegada ecológica quanto a biocapacidade em 1,14 gha,
significando consumo baixo, mas baixa biocapacidade e uma situação de
equilíbrio entre consumo e ambiente (mas não uma situação desejável em termos
sociais).
O continente africano tinha uma pegada ecológica de 1,45 gha
e uma biocapacidade de 1,52 gha, com um superávit de apenas 5%. Como a
população e a economia da África estão crescendo a taxas elevadas,
provavelmente o continente vai entrar em uma situação de déficit ambiental em
breve. Mas o maior déficit ambiental acontece no Oriente Médio e Ásia Central
(inclui Iraque, Irã, Ageganistão, etc.) que tinha uma pegada ecológica de 2,47
gha e uma biocapacidade de 0,92 gha. Portanto, com um déficit ambiental de
168%, ou dito em outros termos, o consumo desta região estava 2,7 vezes maior
do que a capacidade regenerativa dos seus recursos naturais. O déficit do
Oriente Médio e Ásia Central era maior do que o déficit da América do Norte que
tinha uma pegada ecológica maior, de 7,12 gha, mas uma biocapacidade também maior,
de 4,95 gha. Ou seja, o déficit ambiental da América do Norte era de 44%.
Outra região com grande déficit (de 111%) era a Europa
Ocidental, com pegada ecológica de 4,72 gha e biocapacidade de 2,24 gha. Ou
seja, os europeus estavam consumindo pouco mais de 2 vezes a capacidade
biológica do seu território. Já a Europa Oriental (que inclui o Leste europeu e
a Rússia) apresentava superávit de 17%, com pegada ecológica de 4,05 gha e
biocapacidade de 4,88 gha.
Porém, o maior impacto global acontece na Ásia/Pacífico
(inclui o leste e sul da Ásia e a Oceania), pois com uma população total de
3,73 bilhões de habitantes tinha uma pegada ecológica, relativamente baixa, de
1,63 gha, mas uma biocapacidade per capita mais baixa ainda, de apenas 0,86
gha, resultando em um déficit ambiental de 90%. Ou seja, mesmo com todos os
problemas de pobreza que existe na região, o consumo está quase duas vezes
maior do que a capacidade regenerativa da natureza da região. Por conta do alto
volume da população, o montante da pegada ecológica da Ásia/Pacífico foi de 6
bilhões de hectares globais (metade dos 12 bilhões de gha do mundo), enquanto o
montante da pegada ecológica da América do Norte (EUA e Canadá) foi de 2,4
bilhões de gha (20% do total mundial).
A única região que apresentou grande superávit ambiental em
2008 foi a América Latina, que tinha uma pegada ecológica per capita de 2,7
gha, mas uma biocapacidade de 5,6 gha. Isto significa um superávit ambiental de
107%. Ou seja, mesmo o consumo médio sendo o dobro do consumo africano, a
América Latina tinha uma capacidade biológica do seu território pouco mais de
duas vezes superior ao nível da pegada ecológica da região. Portanto, a América
Latina é a única região do mundo com superávit capaz de ser exportador líquido
de biocapacidade. Ou dito em outros termos, a população mundial (especialmente
da Europa Ocidental, América do Norte e Ásia/Pacífico) vai depender cada vez
mais dos recuros naturais da América Latina.
Em termos de países, os dois com maior impacto negativo no
meio ambiente são a China, que utiliza 2,9 bilhões de hectares globais
(população de 1,36 bilhões de habitantes multiplicada por uma pegada ecológica
de 2,13 gha) e os EUA com 2,2 bilhões de hectares globais (população de 305
milhões vezes 7,2 gha de pegada ecológica). Mas, dos 10 países mais populosos
do mundo, aquele com maior déficit ambiental (607%) é o Japão, que tinha pegada
ecológica de 4,17 gha, mas uma biocapacidade per capita de apenas 0,59 gha. No
outro oposto, o país que apresentou maior superávit ambiental foi o Brasil
(229%), com pegada ecológica per capita de 2,93 gha, mas com uma biocapacidade
per capita de 9,63 gha. Isto não quer dizer que o Brasil está cuidando de forma
excelente do seu meio ambiente, mas apenas quer dizer que o país tem uma população
e um consumo relativamente pequenos diante da disponibilidade da biocapacidade
do seu território. Se o Brasil cuidar bem do seu meio ambiente ele poderá
ajudar muito a população mundial.
Todos estes dados são muito úteis para a compreensão da
situação de consumo e das condições ambientais dos países e regiões do mundo,
pois os dados da pegada ecológica devem ser vistos em conjunto com a
biocapacidade. Por exemplo, é comum se dizer que a pegada ecológica do
Paquistão (0,75 gha per capita) é 10 vezes menor do que a pegada ecológica dos
Estados Unidos (7,2 gha per capita). Mas a biocapacidade dos EUA (3,86 gha per
capita) é também 10 vezes maior do que aquela do Paquistão (0,40 gha per
capita). Desta forma, ambos os países – a despeito da dramática diferença do
nível de consumo – possuem déficit ambiental de 87% (EUA) e 88% (Paquistão).
Portanto, o grande desafio do mundo nos anos vindouros (além
de reduzir as desigualdades de renda e das disparidades das condições de vida)
será minimizar os impactos do consumo do alto padrão de vida dos habitantes dos
países desenvolvidos e minimizar os impactos do alto crescimento populacional
nos países mais pobres. Mas acima de tudo, será preciso que a pegada ecológica
da humanidade seja compatível com a biocapacidade da Terra. (EcoDebate)
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