Os minguados
resultados da Rio + 20 e a pouca atuação dos governos nacionais no sentido de
interromper a insensatez do atual modelo de produção e consumo apenas confirmam
que a humanidade pode estar caminhando para o precipício, pois quase nada tem
sido feito para evitar o colapso ambiental. Esta é uma conclusão que se tira
dos debates realizados na Cúpula dos Povos e que já havia sido evidenciada
pelos dados da Footprint Network e do relatório Planeta Vivo, de 2012, da WWF.
A tendência histórica mostra que a pegada ecológica da humanidade, seguindo o
ritmo de crescimento da população mundial, ultrapassou a biocapacidade da Terra.
E o déficit ambiental tem se ampliado desde os anos de 1970.
Em 1961 havia uma
população mundial de 3,09 bilhões de habitantes, que tinha uma pegada ecológica
per capita de 2,35 hectares globais (gha) e uma biocapacidade per capita de
3,18 gha. A pegada ecológica total era de 7,26 bilhões de hectares globais para
uma biocapacidade de 9,82 bilhões de gha. Isto significa que havia no mundo um
superávit de 35% de biocapacidade, ou dito em outros termos: em 1961 a
humanidade estava usando apenas 65% da capacidade biológica de regeneração da
Terra. Esta situação de superávit continuou ao longo da década e, em 1970, com
o crescimento da população e da economia, a humanidade estava utilizando 82%
dos recursos naturais renováveis.
O empate entre pegada
ecológica e biocapacidade aconteceu em meados da década de 1970 e a partir daí
a humanidade começou a usar mais de um Planeta para se sustentar. Em 2008, para
uma população de 6,74 bilhões de habitantes, a pegada ecológica total era de
18,19 bilhões de hectares globais (2,7 gha per capita) para uma biocapacidade
de 12 bilhões de hectares globais (1,78 gha per capita). Portanto, a humanidade
estava utilizando 50% a mais do que o Planeta pode repor em termos renováveis.
Como isto é possível?
A humanidade só pode
continuar utilizando mais recursos do que a Terra pode oferecer, em termos
renováveis, na medida em que permanece sugando a herança deixada durante
milhões de anos no subsolo (combustíveis fósseis) e na medida em que vai
explorando a uma taxa não sustentável os recursos existentes dos rios, das
florestas, do solo e dos oceanos.
Portanto, a
humanidade está se comportando como o sujeito que ganha R$ 10 mil por mês e
gasta R$ 15 mil mensais durante décadas. É possível? Sim, enquanto durar a
herança familiar, houver patrimônio ou enquanto os bancos derem crédito para o
endividamento (tipo cheque especial). Mas algum dia a herança, o patrimônio e o
crédito vão acabar. Quando os recursos advindos do passado acabarem, aí surgirá
o colapso total ou parcial.
Mas não poderia ser
uma profecia escatológica ou uma interpretação incorreta da realidade?
Bem, ninguém pode
prever o futuro. Além disto, há sempre um risco ao extrapolar tendências
passadas utilizando informações incompletas. Ninguém pode ter certeza absoluta.
Desta forma, tomara que os dados estejam errados e que a metodologia da Pegada
Ecológica contenha equívocos intrínsecos que inviabilizem o seu uso. Tomara que
as previsões pessimistas sejam apenas pesadelos apocalípticos – de uma noite mal
dormida – que vão desaparecer quando o despertador tocar. Tomara que as
tecnologias e a inventividade humana consiga descobrir formas de extrair
recursos naturais de fontes cornucopianas. Tomara que Cassandra esteja errada,
que Polyanna esteja certa e que todo mundo possa seguir seu caminho sob o sol,
contente e feliz.
Mas, infelizmente, os
sinais de um possível colapso ambiental são cada vez mais evidentes. Só a
cegueira ideológica e o egoísmo antropocêntrico não veem.
Levantamento da FAO
mostra que 200 quilômetros quadrados de florestas foram dizimadas por dia no
mundo, entre 2000 e 2005, com perda de 7,3 milhões de hectares. Somente o
Brasil destruiu 3,1 milhões de hectares de florestas neste período de 5 anos.
Entre 2000 e 2010 aproximadamente 13 milhões de hectares de florestas foram
convertidos para outros usos ou perdidos. Aliás, o Brasil já destruiu 93% da
Mata Atlântica, mais de 50% do Cerrado e a Amazônia estão sendo saqueada de
suas madeiras de lei e invadida pela pecuária e as plantações de soja.
Segundo o relatório
Povos resilientes, Planeta resiliente: “a sobrepesca fez com que 85% de todos
os estoques de peixes fossem atualmente classificados como sobre explorados,
esgotados, em recuperação ou totalmente explorados, uma situação
substancialmente pior do que há duas décadas. Enquanto isto, os escoamentos
agrícolas significam que os níveis de nitrogênio e fósforo nos oceanos
triplicaram desde a época pré-industrial, levando a aumentos maciços das zonas
mortas costeiras. Os oceanos do mundo também estão se tornando mais ácidos em
consequência da absorção de 26% do dióxido de carbono emitido na atmosfera,
afetando tanto as cadeias alimentares marinhas quanto a resiliência dos recifes
de corais. Se a acidificação dos oceanos continuar, é provável que haja
alterações nas cadeias alimentares bem como impactos diretos e indiretos sobre
diversas espécies, com consequente risco para a segurança alimentar, afetando
as dietas baseadas em alimentos marinhos de bilhões de pessoas em todo o
mundo”.
Diversos rios e lagos
do globo estão sendo destruídos, contaminados ou desviados para diversos usos.
O rio Colorado nos Estados Unidos não chega mais ao mar. Os rios da China estão
sendo represados e poluídos, gerando um conflito hidropolítico com a Índia,
Paquistão, Bangladesh e Vietnã. Nas grandes cidades brasileiras a transformação
de rios em canais de esgoto segue a ritmo acelerado, como nos casos do rio
Arrubas em Belo Horizonte, do rio Carioca no Rio de Janeiro e do rio Tietê em
São Paulo.
A dependência do
petróleo, de produtos químicos e o uso de métodos não orgânicos na agricultura
têm gerado agressões ao meio ambiente, provando erosão, infertilidade,
desertificação, contaminação dos solos, das águas, dos animais e dos seres
humanos. A pecuária não tem causado menos danos, além de acelerar o
desmatamento e acelerar a emissão de gás metano.
O apetite humano tem
provocado o sofrimento e o desaparecimento de outras espécies de seres vivos e
animais sencientes. Segundo a FAO, cerca de 60 bilhões de animais são mortos todos
os anos para enriquecer a dieta dos 7,1 bilhões de habitantes do mundo. Cerca
de 30 mil espécies são extintas a cada ano. A perda de biodiversidade prossegue
de maneira assustadora, mostrando a gravidade dos problemas ambientais. Nem é
bom falar de aquecimento global para não provocar a ira dos fundamentalistas de
mercado e dos céticos do clima.
Mesmo assim, para
quem não acredita que a situação é grave, as projeções indicam que a população
humana vai chegar a pelo menos a 8 bilhões de habitantes até 2030, o número de
consumidores da classe média deve aumentar em 3 bilhões e o mundo precisará de
no mínimo 50% mais alimentos, 45% mais energia e 30% mais água até 2030 – tudo
isto enquanto a biocapacidade do Planeta está diminuindo.
O colapso ambiental
pode ser evitado? Provavelmente sim. Mas não vai ser fácil mudar o rumo do
Titanic humano. Não há soluções simples e o prazo para redirecionar o modelo de
produção e consumo está se encurtando. A Rio + 20 não foi um passo atrás, mas
também não agendou adequadamente a solução dos principais problemas do mundo. Há
muito a ser feito.
De maneira sintética,
pode-se dizer que é preciso reduzir a pegada ecológica por meio das seguintes
ações: erradicar a pobreza e as desigualdades, diminuindo as taxas de
fecundidade do mundo para níveis abaixo da reposição (o Brasil já fez sua
parte); reduzir o consumo conspícuo em todas as suas facetas, reciclando e
reaproveitando o lixo e os resíduos sólidos; promover uma mudança da matriz
energética dos combustíveis fósseis para as energias renováveis (eólica, solar,
geotérmica, das ondas, do hidrogênio, etc.); criar uma agricultura
agroecológica, facilitando uma revolução azul na aquacultura; incentivar a
dieta vegetariana; construir cidades sustentáveis, com transporte coletivo e
eficiência energética,; promover a sociedade da informação e do conhecimento,
trocando o uso indiscriminado de materiais pelo uso de bens imateriais e
intangíveis e substituir as concepções egocêntricas em favor de uma perspectiva
ecocêntrica, com mais restauração ambiental, menos destruição e com o devido
respeito ao Planeta e a todos os seres vivos da Terra. (EcoDebate)
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