Impactos das Mudanças Climáticas: entra em cena o WG-II do IPCC
Para os que ainda não
são familiares com a estrutura e funcionamento do Painel Intergovernamental
sobe Mudanças Climáticas, o IPCC, lembro que ele inclui três grupos, que lidam
respectivamente com as “Bases Físicas da Mudança Climática” (o WG-I, ou 1º
grupo), “Impactos, Vulnerabilidade e Adaptação” (o WG-II, ou 2º grupo) e com
Mitigação, ou seja, soluções para reduzir as emissões e diminuir o peso dos
impactos sobre a sociedade (o WG-III, ou 3º grupo). Foi divulgado, no Japão, o
texto final do “sumário para formuladores de políticas” do WG-II (ou “2º grupo
de trabalho”) do Painel.
Piora nas condições
de vida de populações muito pobres e vulneráveis, como as do Leste da África
estão entre os impactos esperados em cenários de altas e até de médias
emissões.
Devo
dizer que a linguagem usada tende a ser bastante moderada, conservadora e
cautelosa e pretensamente distanciada dos problemas com que o relatório lida.
Algumas das principais conclusões do sumário são:
“Em muitas regiões,
mudanças na precipitação ou no derretimento de neve estão alterando sistemas
hidrológicos, afetando recursos hídricos em termos de quantidade e qualidade”;
“Muitas espécies
terrestres, de água doce e marinhas têm deslocado seus intervalos geográficos,
atividades sazonais, padrões de migração, abundância e interações em resposta à
mudança climática em curso”;
“Baseado em muitos
estudos cobrindo um amplo espectro de regiões e plantios, impactos negativos da
mudança climática na produção agrícola têm sido mais comuns do que impactos
positivos”;
“Diferenças na
vulnerabilidade e na exposição vêm de fatores não-climáticos e de desigualdades
multidimensionais, frequentemente produzidas por processos desiguais de
desenvolvimento. Tais diferenças se refletem em riscos diferenciados em relação
à mudança climática”;
“Impactos de recentes
eventos extremos relacionados ao clima, como ondas de calor, secas, enchentes,
ciclones e incêndios florestais revelam vulnerabilidade e exposição
significativas de alguns ecossistemas e de muitos sistemas humanos à
variabilidade climática”;
“Perigos associados
ao clima exacerbam outros fatores de estresse, com resultados frequentemente
negativos para os meios de subsistência, especialmente para pessoas vivendo em
condições de pobreza”;
“Riscos relacionados
à disponibilidade de água doce devidos à mudança climática aumentam
significativamente com o aumento das concentrações de gases de efeito estufa”;
“Projeta-se que a
mudança climática ao longo do século XXI reduza significativamente a água
renovável superficial e os recursos subterrâneos na maior parte das regiões
secas subtropicais, intensificando a competição pela água entre diferentes
setores”;
“Uma grande parte das
espécies terrestres e de água doce estão diante de risco de extinção aumentado
sob as mudanças climáticas durante e além do século XXI, especialmente na
medida que a mudança climática interage com outros fatores de estresse, como
modificação do habitat, sobre-exploração, poluição e espécies invasoras”;
“No decorrer deste
século, a magnitude e a velocidade da mudança climática associadas a cenários
de médias a altas emissões (RCP4.5, 6.0, e 8.5) colocam o risco de mudanças em
escala regional abruptas e irreversíveis na composição, estrutura e
funcionamento de ecossistemas terrestres e de água doce, incluindo áreas
inundada”;
“Devido ao aumento do
nível do mar projetado para o século XXI e além, sistemas costeiros e áreas de
baixa altitude sofrerão crescentemente impactos adversos como submergência,
inundação costeira e erosão costeira”;
“Devido à mudança
climática projetada para meados do século XXI e além, a redistribuição de
espécies marinhas e a redução da biodiversidade marinha em regiões sensíveis
desafiará a provisão sustentada de produtividade pesqueira e outros serviços
ambientais”;
“Para cenários de
média a altas emissões (RCP4.5, 6.0, e 8.5), a acidificação oceânica traz
riscos substanciais aos ecossistemas marinhos, especialmente ecossistemas
polares e recifes de corais, associados com impactos na fisiologia,
comportamento e dinâmica populacional de espécies individuais, do fitoplâncton
a animais”;
“No que diz respeito
às principais culturas (trigo, arroz e milho) em regiões tropicais e
temperadas, projeta-se que a mudança climática, sem adaptação, impactará
negativamente a produção para aumentos de temperatura de 2°C ou mais
além dos valores do século XX, apesar de algumas localidades individuais
poderem se beneficiar”;
“Todos os aspectos da
segurança alimentar são potencialmente afetados pela mudança climática,
incluindo acesso e utlização dos alimentos e estabilidade nos preços”;
“Projeta-se que a
mudança climática ao longo do século XXI deva aumentar a imigração”;
“A mudança climática
pode aumentar indiretamente o risco de conflitos violentos na forma de guerra
civil e violência entre grupos ao amplificar motivações bem documentadas desses
conflitos como pobreza e choques econômicos”;
“Ao longo do século
XXI, projeta-se que os impactos das mudanças climáticas devam desacelerar o
crescimento econômico, tornar a redução da pobreza mais difícil, erodir ainda
mais a segurança alimentar e prolongar armadilhas de pobreza existentes e criar
novas, particularmente em áreas urbanas e regiões tradicionais de ocorrência de
fome”;
“Os riscos gerais dos
impactos da mudança climática podem ser reduzidos, limitando-se a velocidade e
a magnitude dessa mudança”;
“Velocidades e
magnitudes maiores na mudança climática aumentam as chances de se exceder os
limites para adaptação”;
“Transformações nas
ações e decisões econômicas, sociais, tecnológicas e políticas podem permitir
caminhos resilientes com relação ao clima”.
O aumento na
frequência e intensidade de eventos extremos deve levar a problemas de
segurança hídrica e alimentar e a aumento da imigração, ao produzir desalojados
e refugiados climáticos.
Apesar da linguagem
contida (no mínimo questionável, ao meu ver), é evidente que os riscos são
muito grandes para o gênero humano, exceto para o cenário de forte mitigação
(no caso, o RCP2.6) e, sobretudo, que são extremamente desiguais. Urgem a
priorização da bandeira da justiça climática pelos movimentos sociais e a
demanda por transformações – necessariamente rápidas – que vão na contramão do
crescimento desenfreado, baseado na ampliação desmedida da produção e consumo e
apoiado na queima de combustíveis fósseis e expansão do agronegócio.
(ecodebate)
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