Sem racionamento de água, Cantareira pode levar 15 anos para
se recuperar
Uso de volume morto pode causar crise ambiental e dificultar recuperação
do sistema que abastece 8 milhões de pessoas.
Agência Nacional de
Águas quer que Rio e São Paulo cheguem a consenso sobre gestão de suas águas
O
uso do chamado “volume morto”, ou reserva técnica, pode levar ao colapso o
sistema Cantareira, responsável por levar água para oito milhões de pessoas na
Grande São Paulo e interior. Especialistas consultados pelo
iG preveem um desastre ambiental com a decisão do governo do
Estado de iniciar a retirada de 400 milhões de metros cúbicos da água que fica
abaixo do sistema de captação dos reservatórios.
As obras para
extrair a água subterrânea – orçadas em R$ 80 milhões – começaram no
dia 17 de março nas represas de Nazaré Paulista e Joanópolis. “Se a seca se
repetir no próximo ano e o governo optar apenas pelo uso do volume morto, a
Cantareira vai entrar em colapso e demorar de dez a 15 anos para se recuperar”,
aposta José Cezar Saad, coordenador de projetos do Consórcio Intermunicipal das
Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), uma associação de
indústrias, prefeituras e entidades de 43 municípios. “O racionamento deveria
ter começado há um mês e precisaria atingir 50% da água consumida pelos
paulistas.”
Inaugurado em 1973,
o reservatório do sistema Cantareira precisou de 10 anos para encher em uma
época em que a população da capital e cidades vizinhas girava em torno de 4,8
milhões de pessoas. “No regime típico de chuvas, foram necessários mais 10 anos
para a Cantareira subir 20%. No ano 2000, os reservatórios estavam com 80% do
volume útil e só chegou a 100% em 2010. Agora imagina quanto tempo vai demorar
se a seca se mantiver e ainda secarmos a água do volume morto.”
Sistema Cantareira
tem o menor nível em duas décadas
De acordo com as
contas do consórcio, 280 milhões de metros cúbicos do volume terão sido
consumidos até o final do ano se metade da água consumida pelos paulistas não
for economizada. Pior: se a chuva esperada não cair e 90% do volume morto forem
consumidos, o reservatório entra em crise. “Para encher, será preciso parar de
abastecer a região de São Paulo e liberar o mínimo possível para os leitos, e,
ainda assim, vai depender muito do regime de chuvas”, prevê Saad. “Nós do
consórcio sugerimos uma economia de 30% a 50% do consumo, e então chegaremos a
outubro sem precisar usar o volume morto.”
Essa é uma das
maiores preocupações da bióloga Silvia Regina Gobbo, da Universidade Metodista
de Piracicaba. “Talvez a tentativa de usar esse volume seja porque não exista
um plano emergencial de racionamento. Mas e se acabar o volume morto e não
chover o necessário?”
A bióloga lembra
que, quando o sistema entrou em operação, muitas espécies desapareceram com a
transformação de rios em lagos. “A utilização do volume morto pode ocasionar
uma nova crise ecológica porque a retirada dessa água afeta toda a cadeia
ecológica”.
“Com menos água, o
ambiente tem menor capacidade de manter populações de peixe, principalmente
agora, final da piracema, o período de reprodução. A competição por espaço,
alimento e oxigênio aumenta. O próprio esgotamento do sistema é um impacto
ecológico sem tamanho e vai levar anos para se recuperar.”
Sedimentos
De acordo com
Silvia, os paulistas também terão de consumir água de baixa qualidade, já que o
líquido do volume morto fica em contato com 40 anos de sedimentos que se
acumularam no fundo do Sistema. “Enquanto o reservatório estava cheio, os
metais pesados e poluentes foram para o fundo e se juntaram ao lodo. Ao explorar
essa água perto do chão, a própria sucção revolve esse sedimento e libera esses
poluentes, tanto orgânicos (como restos de peixes mortos) como resíduos de
agrotóxicos utilizados em plantações no entorno das represas que formam o
sistema.”
Ela faz uma
comparação com um copo de água com terra. “Depois de um tempo, o sólido se
deposita no fundo. Ao chegar ao fim do copo, a chance de recolher água suja é
maior. A água captada do volume vai precisar passar por tanques de decantação,
encarecendo seu tratamento.”
Eleições
Saad acredita que a
decisão de evitar o racionamento tenha sido tomada com vistas na eleição
estadual deste ano. “Essa escolha, que é técnica, está sendo política. Mesmo
que a economia de água girasse em torno de 35%, seria possível consumir algo em
torno de 16% do volume morto.” Para a bióloga, “é preferível que seja má gestão
e falta de um plano de emergência do que uma decisão relacionada à campanha
política”. “No final das contas, os prejuízos serão arcados por quem estiver no
comando do Estado no ano que vem.”
Procurada pelo iG
para discutir a opção de usar o volume morto antes do racionamento, a Companhia
de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) - companhia que administra
o sistema Cantareira - não respondeu até o fechamento da reportagem. Em
15/04/14 a Cantareira tinha apenas 12% do volume de água.
No começo do mês,
a presidente da Sabesp, Dilma Pena, afirmou que as projeções da empresa
apontam segurança no abastecimento de água, sem necessidade de rodízio, até o
final do ano, “considerando o pior cenário de chuvas e a utilização da reserva
técnica (volume morto)”. (ig)
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