A seca nos rios e reservatórios do Sistema Cantareira e a utilização de bombas de sucção para captar a água do fundo das represas (o chamado volume morto), para evitar o racionamento, vão desestruturar todo o ecossistema desses mananciais, com prejuízos ainda incalculáveis e permanentes para algumas espécies da fauna e da flora.
Peixes vão desaparecer, aves e outros animais migrarão. Esses e demais organismos vivos do bioma passarão por transformações biológicas e comportamentais, provocadas pela seca severa fora de época do verão de 2014. Problema que será potencializado com a captação do volume morto do Cantareira.
Num efeito em
cascata, toda cadeia alimentar das vidas dos mananciais vai mudar. "A
alteração que essa queda de volume de água nos rios e represas e a
possibilidade de se mexer no volume morto do Cantareira podem provocar nesse
meio ambiente é sem precedentes e só poderá ser avaliada no futuro",
afirma a bióloga e professora da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep)
Silvia Regina Gobbo.
Os níveis dos
reservatórios do Cantareira atingiram ontem 13% - pior índice desde que foram
construídos. Nos rios da bacia do Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), que
forma o sistema, a baixa vazão já provoca alterações.
Em fevereiro foi
registrada a mortandade de cascudos no Rio Camanducaia, na altura de Amparo. A
espécie é uma das mais resistentes e vive no fundo dos mananciais.
"O que
aconteceu em Piracicaba também foi um exemplo do que pode ocorrer com a soma de
poluentes, rios em baixo nível e calor", afirma Dejanira de Franceschini
de Angelis, professora do Instituto de Biociências da Universidade Estadual
Paulista (Unesp), de Rio Claro.
Com menor
quantidade de água, a temperatura aumenta, acelerando a queima de oxigênio. Sem
oxigênio, os mais fracos são os primeiros a morrer. A especialista em toxicidade
da Unesp afirma que a situação é de aumento de poluentes com reflexos
imediatos.
Laudo da Companhia
de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), obtido
pelo Estado, aponta que foi essa combinação de baixa vazão do rio - que de uma
média de 240 mil litros por segundo caiu para 14 mil l/s - com o revolvimento
do fundo do curso d'água, causado por uma pancada de chuva de dois dias, que
provocou a mortandade de 20 toneladas de peixes. Entre as espécies, estão
dourado, corimba e piapara.
Nos últimos 5 anos,
aumentou de 23 para 49 o registro de mortandade de peixes ao ano nos rios da
bacia do PCJ, segundo a Cetesb. "Antes tinha peixes grandes. Hoje não se
pega mais nada, só lambari", afirma Rubens Godoy, de 82 anos, conhecido como
"guardião" do Rio Atibaia. Por isso, especialistas ouvidos pelo
Estado afirmam que drenar a água do volume morto vai mexer o fundo da represa,
concentrado de poluentes, e alterará o ecossistema.
"Toda vez que
há uma mudança no ambiente, as espécies são obrigadas a se adaptar para
sobreviver. Algumas somem", afirmou a professora da Faculdade de Biologia
da PUC-Campinas Luiza Ishikawa Ferreira.
Efeito Cascata
"Tudo isso
está ocorrendo na pior época, que é a da piracema", afirma o especialista
em ambiente do Consórcio do PCJ, Guilherme Valarine. "Houve também uma
alteração nas espécies nativas em sua floração sentida na produção de
sementes", diz Valarine. "Paineiras e jacarandás, por exemplo, ou
adiantaram ou atrasaram a florada - mudando a recomposição da mata e reduzindo
os alimentos para a fauna."
O efeito cascata da
seca afeta também aves aquáticas, que, sem encontrar alimento, têm de migrar.
Entre elas há socós, martins-pescadores, biguás, patos e gansos. (OESP)
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