domingo, 31 de maio de 2015

‘O resíduo se renova, enquanto o catador se desgasta’

“Na medida em que os catadores e catadoras buscam a sobrevivência por meio da coleta de recicláveis, dando uma característica de mercadoria ou produto vendável a algo que não tinha mais valor, eles vivenciam nesse processo várias cargas de trabalho e desgaste da saúde física e mental”, constata a enfermeira.
“Embora o trabalho dos catadores seja enaltecido pelas vantagens ambientais que proporciona, tal discurso fica apenas no campo da retórica, em especial nos discursos midiáticos e políticos”, adverte Tanyse Galon, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.
Autora da tese de doutorado “Do lixo à mercadoria, do trabalho ao desgaste: estudo do processo de trabalho e suas implicações na saúde de catadores de materiais recicláveis”, a enfermeira analisa o outro lado do trabalho desenvolvido a partir da reciclagem, o qual, embora traga vantagens para o meio ambiente, causa um impacto direto na saúde dos catadores de resíduos recicláveis, especialmente daqueles que estão no mercado informal, já que “apenas 10% dos catadores no Brasil” atuam em cooperativas.
Na avaliação dela, “tais trabalhadores estão reduzindo gastos dos municípios com o gerenciamento dos resíduos sólidos, promovendo lucratividade às indústrias de reciclagem e reduzindo impacto ambiental desencadeado pelos comportamentos de desperdício da sociedade, sem serem de fato reconhecidos enquanto trabalhadores”. Enquanto isso, ressalta, “as ações concretas voltadas para a saúde dos trabalhadores informais ainda são defasadas”.
Entre os problemas constatados em sua pesquisa, Tanyse chama atenção para os riscos à saúde aos quais os catadores estão submetidos, desde implicações osteomusculares, por conta do peso carregado nos carrinhos de mão, acidentes de trabalho envolvendo materiais perfurocortantes, até o contato com “animais mortos, vidros, agulhas e seringas contaminadas presentes nos resíduos urbanos”. De acordo com ela, a situação é agravada “pelo fato de a sociedade não separar ou descartar corretamente tais materiais”. O “descuido no descarte dos resíduos”, frisa, aumenta a propensão de os catadores adquirirem “doenças graves, dentre elas as hepatites, o HIV e tétano”.
Tanyse Galon é bacharel em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – EERP/USP e doutora em Enfermagem pela USP. Atualmente é enfermeira no Hospital da USP / Ribeirão Preto.
IHU On-Line - Que considerações sua pesquisa “Do lixo à mercadoria, do trabalho ao desgaste: estudo do processo de trabalho e suas implicações na saúde de catadores de materiais recicláveis” faz acerca da saúde dos trabalhadores que trabalham com reciclagem?
Tanyse Galon - Como sintetiza o título do trabalho, os resultados da pesquisa mostraram que na medida em que os catadores e catadoras buscam a sobrevivência por meio da coleta de recicláveis, dando uma característica de mercadoria ou produto vendável a algo que não tinha mais valor (resíduos ou lixo), eles vivenciam nesse processo várias cargas de trabalho e desgaste da saúde física e mental. Ou seja, o resíduo se renova, enquanto o catador se desgasta. E, para entender a saúde dos trabalhadores, consideramos a importância de se compreender o entorno econômico, social, político e cultural que envolve nossa sociedade e que afeta o trabalho dos catadores, como, por exemplo, a cadeia produtiva da reciclagem, as políticas que envolvem o gerenciamento dos resíduos sólidos no Brasil, e a sociedade atual que se constitui como uma sociedade do consumismo e do desperdício, gerando exorbitantes produções de resíduos sem preocupações com as questões ambientais, sanitárias e sociais que tal comportamento pode gerar. Nesse sentido, a contradição se dá pelo fato de que os catadores estão desenvolvendo um papel do qual a sociedade e muitos municípios se isentam em participar ativamente, e ainda são desvalorizados por sua atividade promotora de preservação e renovação do meio ambiente.
IHU On-Line - Qual é o perfil dos catadores analisados na sua pesquisa? O que eles relatam sobre o processo de trabalho e que avaliações fazem desse processo?
Tanyse Galon - Na pesquisa que desenvolvemos, de abordagem qualitativa, foram entrevistados 23 catadores de materiais recicláveis de rua autônomos da cidade de Ribeirão Preto/SP, cujo perfil geral (dados sociodemográficos e ocupacionais) muito se assemelhou ao de outras pesquisas desenvolvidas no país, tanto de abordagem quantitativa quanto qualitativa. Grande parte dos catadores é composta de homens e mulheres adultos jovens, embora haja a presença de idosos atuando na atividade para complementar a renda da aposentadoria; pessoas com dependentes financeiros, sustentando suas famílias com a reciclagem; homens e mulheres oriundos de outras regiões, mostrando uma relação entre migração e trabalho informal; vários deles com imóvel alugado, o que aumenta as dificuldades financeiras; maioria com ensino fundamental incompleto, situação que dificulta a inserção no mercado formal de trabalho; histórico laboral de atividades pouco valorizadas (construção civil, trabalho doméstico); necessidade de conciliar a reciclagem com outras atividades laborais, considerando a renda com os recicláveis insuficiente; e por fim, a realização de um trabalho com horários flexíveis e com renda mensal muito variável, a depender da quantidade e qualidade dos materiais recicláveis coletados, além das oscilações de preço das empresas compradoras desses materiais.
IHU On-Line - A quais problemas de saúde eles estão expostos por conta das especificidades do tipo de trabalho que desenvolvem?
Tanyse Galon – Os problemas de saúde enfrentados pelos catadores em decorrência do seu contexto de trabalho são amplos, sendo que nosso estudo destacou: os problemas osteomusculares (dor na coluna e membros inferiores, câimbras, etc.) pelo peso carregado, deficiência de instrumentos laborais adequados e as longas distâncias percorridas em busca dos recicláveis; acidentes de trabalho envolvendo materiais perfurocortantes, picadas de animais peçonhentos (escorpião, etc.) e risco de atropelamento pelo trabalho nas ruas, com quedas e contusões; por fim, a ansiedade e o estresse, em decorrência da instabilidade da renda, do trabalho sem horário regular e delimitado, das vivências no trânsito com seus “carrinhos de mão”, e principalmente devido ao preconceito e desvalorização que sofrem, referindo que são comumente vistos como pessoas de má índole e não como trabalhadores de fato.
“Um dos catadores referiu transportar em torno de 980 kg por percurso de coleta, visto que, quanto mais material for encontrado, maior a renda adquirida”
IHU On-Line - Você menciona que os catadores de materiais recicláveis enfrentam cargas de trabalho biológicas, mecânicas, fisiológicas e psíquicas. Pode explicar cada uma delas?
Tanyse Galon - Dentro do referencial teórico que adotamos em nossa pesquisa, entende-se que as cargas de trabalho, geradas no interior do processo de trabalho (ou cotidiano laboral), são os elementos ali presentes que vão gerar desgaste da saúde dos trabalhadores, potencial ou estabelecido. Dentro das cargas de trabalho que os catadores enfrentam, destacamos:
1. Biológicas: contato com animais mortos, vidros, agulhas e seringas contaminadas presentes nos resíduos urbanos, situação que, segundo os trabalhadores, é agravada pelo fato de a sociedade não separar ou descartar corretamente tais materiais;
2. Mecânicas: risco de atropelamento no trânsito, sendo que os trabalhadores referiram que sua presença nas ruas com seus carrinhos carregados de recicláveis são vistos pelos demais como entraves ao funcionamento do tráfego, aumentando os riscos de queda e contusões graves;
3. Fisiológicas: o esforço físico pesado por carregarem grandes quantidades de materiais por longas distâncias. Um dos catadores referiu transportar em torno de 980 kg por percurso de coleta, visto que, quanto mais material for encontrado, maior a renda adquirida (renda por produção);
4. Psíquicas: preconceito e desvalorização que sofrem em seu cotidiano laboral, destacando que este foi o tema mais demandado pelos catadores dentre todos os demais. Os trabalhadores referiram que sua invisibilidade é comum, sendo que muitas pessoas “fecham os vidros do carro” ou “passam de longe”, evitando a presença dos catadores. Todo este quadro de cargas laborais é agravado pela falta de recursos de proteção, reconhecimento e valorização do trabalho que desenvolvem, ficando o catador sozinho em seu cotidiano laboral.
IHU On-Line - A que tipo de materiais os catadores ficam expostos e quais os riscos do contato com esses materiais à saúde?
Tanyse Galon - Relatos de exposição a vidros, agulhas e seringas, e até fetos humanos presentes nos resíduos urbanos mostram que ainda há um descuido no descarte dos resíduos e uma elevada propensão entre os catadores de adquirir doenças graves, dentre elas as hepatites, o HIV, tétano, entre outras. Tal situação mostra que o trabalho dos catadores nas ruas ainda apresenta-se muito precarizado, visto que os mesmos constantemente abrem sacos de lixo, desprovidos de luvas ou máscaras, sem saber ao certo o que encontrarão. Nesse sentido, muitos deles buscam fornecedores fixos de materiais recicláveis em lojas, supermercados, empresas, etc., com o objetivo de evitar o contato com tais materiais perigosos à saúde.
“Vidros, agulhas, seringas e até fetos humanos, mostram o descuido no descarte dos resíduos”
IHU On-Line - Como os problemas de saúde aos quais os trabalhadores são expostos são abordados na área de saúde no país atualmente?
Tanyse Galon - A Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora tem reconhecido a necessidade de ações de saúde voltadas também para as categorias laborais inseridas na informalidade, especialmente aquelas em condição altamente excluída, como é o caso dos catadores. Entretanto, observamos que as ações concretas voltadas para a saúde dos trabalhadores informais ainda são defasadas. Autores que investigam o mundo do trabalho têm apontado a heterogeneidade e complexidade do mundo laboral, que envolve a existência das diversas formas de trabalho flexível, dentre elas os subcontratados e os terceirizados, condições que afastam os trabalhadores dos direitos à saúde no trabalho e o descumprimento ou defasagem de leis trabalhistas que os protejam.
Entre os catadores entrevistados em nossa pesquisa, houve relatos de falta de recursos financeiros para adquirir equipamentos de proteção individual, além do fato de que buscam atendimento em serviços de saúde apenas quando consideram grave a sua condição. Alguns deles referiram que quando sofrem acidentes de trabalho, comumente prosseguem na coleta de recicláveis, trabalhando apesar de doentes, visto que não há garantia de renda ou afastamento remunerado por problema de saúde. Nesse sentido, muito deve ser feito pelos trabalhadores informais.
IHU On-Line - Existe alguma discussão nos hospitais sobre o desenvolvimento do trabalho de reciclagem de materiais usados nos próprios hospitais? Como o processo de reciclagem e implicações à saúde dos trabalhadores que são responsáveis pela reciclagem são abordados nos hospitais?
Tanyse Galon - Uma das exigências da Política Nacional de Resíduos Sólidos é que os estabelecimentos (empresas, indústrias, etc.) e as residências realizem a segregação dos resíduos (separando os materiais recicláveis), o que inclui os serviços de saúde. Os poderes locais (municípios) devem realizar todo o sistema de coleta seletiva, com centros de triagem e meios de transporte para coleta desses materiais recicláveis separados na fonte, levando-os para cooperativas de reciclagem, com a atuação prioritária dos catadores de materiais recicláveis, que devem ser incluídos nesse processo. Vários hospitais no país têm grupos internos voltados para essa questão, treinando as equipes a separarem os materiais recicláveis dos materiais perigosos à saúde e fazendo a destinação adequada.
Entretanto, os catadores ainda referem encontrar resíduos hospitalares nos sacos de lixo comum nas ruas, expondo-os a riscos importantes à saúde, o que evidencia a necessidade de maior investimento e conscientização tanto dos produtores de resíduos (sociedade), quanto dos serviços de saúde, que precisam aplicar de fato as políticas de gerenciamento dos resíduos produzidos.
IHU On-Line - Como se dá a improvisação dos instrumentos de trabalho entre os catadores?
Tanyse Galon - Por estarem inseridos em um trabalho informal e por apresentarem, em sua maioria, dificuldades socioeconômicas, os catadores comumente improvisam seus instrumentos de trabalho com materiais retirados dos próprios resíduos. Para formarem seus carrinhos de mão, eles utilizam peças de geladeira, grades, tábuas,  barras de ferro, cabos de vassoura, bags (sacos grandes), tudo com o intuito de elaborarem tais veículos para transporte dos materiais, adaptando-os na medida em que as dificuldades e necessidades vão surgindo. O que ocorre é que muitos desses instrumentos não estão adequados à corporalidade e funcionalidade dos trabalhadores, o que gera inadaptações de ordem ergonômica, levando-os a problemas osteomusculares. Visando superar tais circunstâncias, muitos deles, na medida em que vão angariando maior renda, buscam adquirir veículos motorizados (peruas) ou de tração animal, com o intuito de reduzir a carga de trabalho e aumentar a renda adquirida. Porém, até chegarem nessa possibilidade, muitos deles já desenvolveram problemas de saúde.
“Os catadores comumente improvisam seus instrumentos de trabalho com materiais retirados dos próprios resíduos”
IHU On-Line - Diante das implicações à saúde e da condição de trabalho dos trabalhadores, que alternativas sugere em relação a esse tipo de trabalho, que hoje é de certo modo enaltecido pelas vantagens que traz ao meio ambiente?
Tanyse Galon - O que nos despertou a atenção durante o desenvolvimento da pesquisa foi o fato de que, embora o trabalho dos catadores seja enaltecido pelas vantagens ambientais que proporciona, tal discurso fica apenas no campo da retórica, em especial nos discursos midiáticos e políticos. Ainda falta muito a avançar em termos concretos. Os catadores, especialmente os que trabalham de forma autônoma nas ruas, ainda nos relatam que estão desprovidos de recursos laborais, de proteção à sua saúde e de uma renda digna e condizente com o benefício que promovem.
Tais trabalhadores estão reduzindo gastos dos municípios com o gerenciamento dos resíduos sólidos, promovendo lucratividade às indústrias de reciclagem e reduzindo impacto ambiental desencadeado pelos comportamentos de desperdício da sociedade, sem serem de fato reconhecidos enquanto trabalhadores. É claro que não podemos desconsiderar os ganhos que o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR até aqui conquistou, resultando no reconhecimento da profissão na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO e na criação de cooperativas de reciclagem ao redor do país, com melhores condições de trabalho e renda. Entretanto, apenas 10% dos catadores no Brasil atuam nessas cooperativas, sendo que muitas delas ainda apresentam falta de recursos para um funcionamento adequado. Nesse sentido, a mobilização dos municípios no cumprimento das políticas, considerando a inclusão socioeconômica dos catadores, e a atuação da sociedade no reconhecimento e valorização desses trabalhadores são questões importantes a serem desenvolvidas não apenas enquanto pauta de discussão, mas também resultando em ações concretas e transformadoras da realidade dos catadores. (ecodebate)

A discussão sobre as sacolinhas plásticas se justifica?

Muito se tem falado sobre as sacolinhas plásticas nos últimos anos. A polêmica é grande e mexe com associações, donos de supermercados, ambientalistas e, é claro, o consumidor final. A última ação foi protagonizada por Fernando Haddad, atual prefeito de São Paulo.
Haddad entrou com um pedido na Justiça para barrar a cobrança por sacolinhas plásticas nos supermercados de São Paulo. A ação é contra a Associação Paulista de Supermercados (Apas).
Desde cinco de abril, entrou em vigor a lei sancionada na gestão Gilberto Kassab (eleito pelo DEM) e regulamentada por Fernando Haddad (PT) que proíbe o uso de sacolas plásticas derivadas do petróleo. A lei não fala da cobrança pela embalagem, mas permite a oferta de modelos feitos com material reciclável e que podem ser reutilizados para lixo orgânico e coleta seletiva. Toda essa discussão nos faz pensar se realmente o tema se justifica como centro das atenções quando o assunto é sustentabilidade e meio ambiente.
O dilema das sacolinhas plásticas dentro do atual contexto econômico que o país enfrenta não se justifica. E explico o porquê! Para muitas famílias das classes D e E, a sacola do mercado ainda representa o principal local de armazenamento dos seus resíduos ou lixo orgânico.
Estes sacos de mercado não representam risco maior do que aqueles sacos pretos, também muito usados, uma vez que o risco maior para o meio ambiente está associado ao mau descarte, armazenamento e coleta destes sacos independentemente da sua composição.
O que deve ser comentado é que o mais importante é dar ao lixo a melhor destinação, ou seja, aquela que provoca o menor impacto ambiental.
Evidentemente, que um saco de plástico na condição de uma disposição inadequada (lixões ou margens de cursos d’água) representa, em longo prazo, um risco maior do que o saco de material biodegradável, no entanto, é sempre importante enfatizar que o fator relevante é o educacional, ou seja, armazenar e descartar de forma correta.
A preocupação com a forma do descarte e o local onde este lixo será depositado é primordial para que possamos realmente ter um resultado mais qualitativo quando o assunto é meio ambiente. Educar para reciclar acaba sendo a melhor saída para sustentabilidade. (ecodebate)

Catadores de recicláveis expostos a diversos riscos

Maioria dos catadores de recicláveis está exposto a diversos riscos
Maioria dos catadores de materiais está exposto a riscos biológicos, fisiológicos, mecânicos e psíquicos.
Eles trabalham de sol a sol a procura de papelão, garrafa pet. Buscam um emprego menos perigoso, dentro de uma cooperativa, mas temem que a renda diminua. Querem que a importância da reciclagem se sobressaia à invisibilidade social enfrentada. Dentro deste cenário estão os catadores de materiais recicláveis, que foram alvo de um estudo realizado pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP. Os resultados apontam que eles sofrem com problemas osteomusculares, ansiedade, estresse e complicações derivadas de acidentes de trabalho. Além dos problemas de saúde, estão entre os principais desafios da classe o improviso de instrumentos de trabalho e a obtenção de melhores recursos financeiros.
Catadores sofrem com problemas osteomusculares, ansiedade e estresse.
Na pesquisa, realizada entre os meses de maio e dezembro de 2013, a enfermeira Tanyse Galon entrevistou um grupo de 23 catadores autônomos de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. “Com 10 deles trabalhamos com fotografias, a fim de discutir o seu cotidiano de trabalho e condições de saúde.”
Depois do processo, a enfermeira concluiu que, embora esse trabalho traga ganhos ambientais à sociedade e econômicos à cadeia de reciclagem, os catadores estão inseridos em um contexto de informalidade e invisibilidade social. “Ao mesmo tempo em que eles renovam aquilo que não tinha valor algum (resíduos ou ‘lixo’), gerando lucro para o mercado da reciclagem, eles também desgastam a sua saúde nesse processo”, afirma a enfermeira.
A pesquisa identificou que os catadores são, no geral, adulto-jovens que possuem dependentes financeiros e apresentam baixo nível educacional, conta Tanyse, ao lembrar que muitos idosos aderem a prática para complementar a aposentadoria. “A maioria também vive em domicílio alugado e não possui renda superior a um salário mínimo”, completa a pesquisadora.
Saúde prejudicada
Segundo Tanyse, os catadores de materiais recicláveis enfrentam cargas de trabalho biológicas, mecânicas, fisiológicas e psíquicas. “Eles ficam expostos a materiais contaminados, como seringas, agulhas, cacos de vidro e resíduos hospitalares, que são as cargas biológicas. Além disso, quanto às mecânicas, ainda correm o risco de serem atropelados no trânsito ao carregarem seus carrinhos de mão pesados e não adaptados.”
Quanto às cargas fisiológicas, ela ressalta o grande esforço físico feito para carregar o peso transportado. E, por fim, apresentam problemas psíquicos, pois “os catadores são vistos como pessoas de má índole e não como trabalhadores dignos que sustentam suas famílias”, conta a enfermeira.
O peso das cargas trazem como consequências problemas osteomusculares, como dores na coluna e membros inferiores, e os expõem a acidentes de trabalho — cortes pelo corpo, quedas e contusões. E, ainda, diz a pesquisadora, amargam suas vidas a ansiedade e estresse. “Ambos são distúrbios causados pela instabilidade de renda, pressão enfrentada no trânsito, preconceito e desvalorização sofridos”, diz Tanyse.
“O catador se vira como pode”
Uma das temáticas trabalhadas na tese aborda a improvisação dos instrumentos de trabalho dos catadores. De acordo com a pesquisadora, os trabalhadores tentam adquirir veículos motorizados ou de tração animal em substituição aos ‘carrinhos de mão’, com o objetivo de reduzir a carga de trabalho, porém, o baixo valor obtido com a reciclagem impossibilita a manutenção desses recursos.
“A falta de recursos de proteção laboral e falta de direitos de saúde no trabalho em termos legais levam os catadores a cuidarem sozinhos da própria saúde (automedicação) e procurarem os serviços de saúde apenas em situações que consideram graves”, fala Tanyse.
Ela ressalta que “o que os catadores mais demandam não é serem reconhecidos como pessoas que precisam de ‘ajuda social’, mas sim de serem vistos como trabalhadores, recebendo todos os direitos que lhe são imputados a partir desta condição”.
A tese Do lixo à mercadoria, do trabalho ao desgaste: estudo do processo de trabalho e suas implicações na saúde de catadores de materiais recicláveis foi defendida em março de 2015 e orientada pela professora Maria Helena Palucci Marziale. (ecodebate)

sexta-feira, 29 de maio de 2015

‘Zero emissões’ de CO2 em 2100

Como chegar a ‘zero emissões’ de CO2 em 2100?
Organismos internacionais como a ONU ou o Banco Mundial têm ressaltado a importância de se chegar um nível zero de emissões de gases de efeito estufa até 2100. O objetivo, alertam os especialistas, seria fundamental para limitar o aumento da temperatura do planeta a menos de 2°C, devido às mudanças climáticas.
A meta parece inatingível, mas pode ser alcançada graças à transição energética e tecnológica rumo a práticas mais limpas, um processo que deve começar desde agora. Em um relatório intitulado “Descarbonizando o desenvolvimento”, o Banco Mundial afirma que a meta de zero emissões “é possível” e “já se sabe como cumpri-la”.
O mercado de carbono é uma das ferramentas para controlar as emissões, porém é insuficiente. O principal impulso viria do setor energético: a dependência dos combustíveis fósseis teria de cair no mínimo 70%.
Até agora, os países que mais se empenharam em aumentar a parcela de energias renováveis só conseguiram substituir em no máximo 30% o uso das fósseis. “Nesse mundo de emissões zero, a gente não emitiria emissões líquidas. Encontraremos formas de capturar o carbono que emitimos: teríamos sequestro de carbono, seja pelas florestas ou até pela introdução do gás carbônico para dentro da terra, de maneira geológica”, explica Ronaldo Seroa da Motta, especialista em economia ambiental do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor da Uerj. “De qualquer maneira, nenhuma trajetória nesse sentido será viável sem uma redução muito drástica do nível de emissões das energias fósseis, como carvão e petróleo. Esse é o grande problema.”
Mudança custosa
A colaboração deverá vir de todas as camadas da sociedade – a queda do consumo de energia deve ser generalizada, em especial nos grandes setores da atividade econômica, como transportes, indústrias e a construção. É por medo dos prejuízos econômicos nesta primeira etapa do processo que muitos países, inclusive os mais poluidores, relutam em adotar as mudanças – o que explica a rejeição política das propostas por governos como o americano.
“Você teria um esforço bastante significativo, do ponto de vista tecnológico para poder chegar a essa emissão. É justamente aí que está toda a dificuldade, porque essa transição é dolorosa a curto prazo”, afirma. “Há mudanças muito grandes a serem feitas na estrutura da economia, em que alguns setores vão perder muito e outros vão ganhar.”
Brasil no bom caminho
O especialista observa que o cenário no Brasil é positivo – o país tem registrado sucessivas quedas das emissões de gases de efeito estufa graças à diminuição do desmatamento. No entanto, a emissão zero ainda é uma meta distante, principalmente devido a modificações a serem aplicadas na agricultura.
“Como o Brasil se baseou muito na redução no desmatamento, ele não teve um esforço muito grande em redução na parte energética – pelo contrário, teve um aumento das emissões nesse setor. A mesma coisa é na agricultura, ou seja, ainda temos deficiências tecnológicas”, ressalta o professor.
A Conferência do Clima de Paris (COP-21), em dezembro, será um momento-chave para os países apresentarem seus compromissos de redução de emissões de 2020 a 2030. Motta avalia que, mais do que o horizonte de 2100, o mundo deveria focar as atenções nos objetivos nos próximos 15 anos. “A gente não vai chegar a zero em 2100 se não cumprir algumas fases anteriores”, destaca.
Segundo o relatório do Banco Mundial, a adaptação para uma economia de baixo carbono custará 50% a mais se os países só começarem a se preocupar com a questão em 2030. (ecodebate)

Maior controle de carros poluentes na Europa

Cientistas pedem maior controle de carros poluentes na Europa
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que uma em cada oito mortes do mundo em 2012 foi causada pela poluição do ar, principalmente pela alta concentração de partículas suspensas na atmosfera, um poluente procedente, em sua maioria, do tráfego terrestre e marítimo, da indústria e do pó da construção civil. Por este motivo, sete instituições científicas europeias recomendaram à Comissão Europeia e a governos estaduais e regionais que criem zonas de baixa emissão de poluentes, onde se proíba a circulação de veículos antigos e favoreça a entrada de carros elétricos.
Para ilustrar a recomendação, os cientistas lembram as medidas tomadas em países do Norte da Europa. O estudo exemplifica o caso da Alemanha, onde desde 2008 foram declaradas 60 zonas de baixa emissão. Segundo a pesquisa, o país é um dos poucos onde a medida tem sido efetiva.
As recomendações são resultado do projeto Airuse Life+, financiado pela União Europeia e realizado durante três anos em Atenas, Porto, Barcelona, Florença e Milão, para estudar a origem e a efetividade das medidas para reduzir a poluição, que causa doenças respiratórias, infartos e vários tipos de câncer.
O estudo se concentrou nos países do Sul do continente, onde, segundo Xavier Querol, pesquisador do Conselho Superior de Pesquisas Científicas (CSIC) e coordenador do projeto Airuse Life+, a contaminação por partículas suspensas tem condições e fontes de emissões particulares, mais relevantes que no Norte. “O fato de que a chuva é menos abundante nas cidades do Sul faz com que as partículas permaneçam em suspensão”, afirma Querol. (biodieselbr)

Poluição ar custa na Europa US$ 1,6 trilhão/ano

Poluição do ar custa US$ 1,6 trilhão por ano aos países da Europa
Mortes prematuras e doenças causadas pelo ar poluído geram ao continente europeu um prejuízo de US$ 1,6 trilhão.
Primeiro estudo do tipo na região foi produzido pela Organização Mundial da Saúde; além de causar doenças, ar poluído gera 600 mil mortes prematuras todos os anos no continente.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou em 28/04/15 um estudo inédito sobre os custos econômicos da poluição do ar para os países da Europa. Mortes prematuras e doenças causadas pelo ar poluído geram ao continente um prejuízo de US$ 1,6 trilhão.
O total equivale a um décimo do Produto Interno Bruto registrado pela União Europeia em 2013. Segundo a OMS, os impactos da poluição do ar na saúde dos europeus geraram 600 mil mortes prematuras em 2010.
Doenças do Coração
Mais de 90% dos cidadãos da Europa estão expostos a níveis de partículas finas acima das recomendações da OMS sobre qualidade do ar. As mortes prematuras são causadas por doenças respiratórias e do coração, derrames e câncer de pulmão, sendo que a maioria das mortes ocorre em países de rendas baixa e média.
Segundo a agência da ONU, o “valor econômico das mortes e das doenças causadas pela poluição do ar corresponde ao total que as sociedades devem estar dispostas a pagar com intervenções necessárias para evitar mortes e enfermidades”.
Políticas
A OMS destaca que reduzir a poluição do ar precisa ser uma prioridade política, com os países europeus trabalhando juntos para reduzir os impactos.
A diretora da OMS para a Europa, Zsuzsanna Jakab, declarou que os números fornecem aos governos razão suficiente para agir e assim, salvar vidas. Os resultados do estudo foram apresentados numa reunião sobre meio ambiente e saúde na Europa, que ocorre na cidade israelense de Haifa. (ecodebate)

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Exército ‘invade’ Sabesp para proteger água

Soldados fizeram simulação para proteger o local em caso de seca extrema em SP.
Exército simula ocupação na Sabesp para saber evitar ‘caos social’.
"Não vai faltar água em São Paulo”. A frase do governador Geraldo Alckmin, dita em meio à campanha eleitoral de 2014, parece uma realidade cada vez mais distante. Tão distante que o Exército realizou em 27/05 um estudo das dependências da Sabesp “para eventual necessidade de ocupação, em caso de crise”.
Ou seja, por meio do Exército, o governo basicamente afirma que está protegendo a Sabesp com medo de pessoas enfurecidas pela falta d’água. Em 2014, no auge da crise hídrica, a cidade de Itu, no interior de São Paulo, registrou conflitos na rua entre moradores e policiais.
A Sabesp afirma que o procedimento é feito anualmente e só não aconteceu no ano passado. O jornal El País, no entanto, informa que funcionários da empresa com mais de 25 anos de casa disseram “nunca ter visto nada parecido”. Em manifestações recentes, o Exército já manifestou preocupação pelo agravamento da crise e possível caos social.
No último dia 28 de abril, em palestra no Comando Militar do Sudeste, Paulo Massato, diretor metropolitano da Sabesp, afirmou que a água pode acabar em julho, mas que a conclusão de obras planejadas pode garantir abastecimento até outubro, quando começa o próximo período de chuvas. (yahoo)

SP é multado por favorecer Sabesp

Estado de SP é multado por favorecer Sabesp
Comissão entendeu que Empresa Metropolitana de Águas e Energia foi prejudicada por captação gratuita da Billings e do Guarapiranga.
O governo Geraldo Alckmin (PSDB) foi multado dia 26/05 em R$ 400 mil pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), acusado de prejudicar a Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE) na disputa judicial com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) sobre cobrança de compensação financeira pela captação de água nas Represas Billings e do Guarapiranga para abastecimento público. 
As duas empresas são controladas pelo governo. A Procuradoria-Geral do Estado informou que vai recorrer da decisão. Os dois reservatórios são de propriedade da EMAE e foram construídos para a geração de energia elétrica. Desde 1928, no caso do Guarapiranga, e de 1944, no caso da Billings, eles também são usados para abastecimento na Grande São Paulo e, hoje, respondem por 39% da produção da Sabesp, que faz a captação gratuita.
Queixa
Caso começou após ação de acionistas minoritários
Há pelo menos cinco anos, a EMAE cobra da companhia o ressarcimento de parte do custo de operação e manutenção das represas e da perda na produção de energia na Usina de Henry Borden. Em abril de 2014, a Sabesp chegou a anunciar um possível acordo, que até agora não ocorreu.
Em 26/05 a relatora do processo administrativo na CVM, Luciana Dias, deu parecer favorável à acusação feita por acionistas minoritários da EMAE de que a empresa de energia estaria sendo prejudicada com a captação da Sabesp. Segundo cálculos de um dos investidores responsáveis pela reclamação, a EMAE deixou de arrecadar R$ 120 milhões anuais. “A retirada de água pela Sabesp se dá sem compensação, prejudicando as atividades operacionais da EMAE”, disse a relatora.
Segundo ela, o Estado não se posicionou sobre o impasse durante o longo período de controvérsia sobre indenizações pelos usos dos reservatórios. “O Estado optou por não tomar nenhuma medida”, ressaltou, citando o artigo 116 da Lei das Sociedades Anônimas, de 1976, no qual o “acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social”.
O Estado possui 97,6% das ações da EMAE e 50,3% das ações da Sabesp. Luciana afirmou que, como controlador das duas empresas, o governo podia orientar ambas, “o que lhe dá maior capacidade na solução do problema”. Segundo ela, o Estado não pode ignorar os interesses dos acionistas e não pode lidar com os bens da emane como se fossem públicos.
Cristina Mastrobuono, representante do Estado, afirmou que não houve orientação para que não fossem tomadas medidas cabíveis. De acordo ela, a precariedade financeira da EMAE não seria resolvida, mas a cobrança prejudicaria o próprio Estado. “O socorro financeiro em prol dessa companhia viria inexoravelmente do erário estadual.”
Em nota, a Sabesp afirma que "a resolução da CVM aparentemente ignorou que a Lei 9433/97 determina a água dos mananciais, como é o caso dos reservatórios Guarapiranga e Billings, deve ser utilizada prioritariamente para abastecimento humano".
Represa Billings
Mais cidades terão que racionar, diz PCJ
O número de cidades da região de Campinas e Piracicaba, no interior paulista, que terão de adotar racionamento durante o período seco de 2015 será maior do que em 2014, segundo o Consórcio das Bacias do Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ).
“Nossa lição de casa será ainda mais severa para a estiagem de 2015”, diz o secretário executivo do PCJ, Francisco Lahoz. Em 2014, o mais seco em 90 anos, 18 municípios racionaram água. A medida atingirá mais cidades porque o volume liberado será insuficiente. (OESP)

Agência de Águas

A Lei Federal 9.433/1997 Política Nacional de Recursos Hídricos, PNRH estabeleceu os fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos para a gestão das águas no território brasileiro, regulamentou o artigo 21, inciso XIX da Constituição Federal, que prevê a implantação do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos e a definição dos critérios para as outorgas e cobranças pelos direitos de uso deste recurso natural. A Política Nacional de Recursos Hídricos têm como fundamentos previstos no artigo 1º:
a) domínio público da água,
b) como recurso natural limitado e dotado de valor econômico,
c) uso prioritário para consumo humano e dos animais nos casos de escassez,
d) gestão com uso múltiplo,
e) as bacias hidrográficas como unidades básicas para implementação da gestão das águas e
f) a descentralização e a participação dos poderes públicos, usuários e comunidades na gestão.
São integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos: Conselho Nacional de Recursos Hídricos, Agência Nacional de Águas, Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e Distrito Federal, Comitês de Bacias Hidrográficas, órgãos dos poderes públicos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais com competências relacionadas à gestão dos recursos hídricos (Departamentos de Recursos Hídricos ou equivalentes nos Estados e os órgãos responsáveis pelos licenciamentos ambientais, no RS a Fepan) e as Agências de Água relacionadas com as diferentes regiões hidrográficas ou comitês hidrográficos.
Este artigo, último de uma série sobre os recursos hídricos e a legislação nacional, descreve as atribuições e responsabilidades das Agências de Águas, sendo que todos os outros assuntos citados estão comentados em artigos anteriores publicados no EcoDebate.
As Agências de Águas exercem a função de secretarias executivas dos respectivos comitês e podem ter sua área de atuação relacionada a um ou mais comitês de bacias hidrográficas. A criação destas agências é autorizada pelo conselho nacional ou conselhos estaduais de recursos hídricos mediante solicitação de um ou mais comitês e está condicionada aos seguintes requisitos:
I. Existência prévia do(s) comitê(s) respectivo(s);
II. Viabilidade financeira assegurada através da cobrança pelo uso dos recursos hídricos em sua(s) área(s) de atuação.
São competências das Agências de Águas:
I. Manter balanço atualizado da disponibilidade dos recursos hídricos em sua(s) área(s) de atuação;
II. Manter cadastro dos usuários;
III. Mediante delegação dos responsáveis pelas outorgas, realizar a cobrança pelo uso dos recursos hídricos;
IV. Analisar e emitir pareceres sobre projetos e/ou obras financiadas com recursos da cobrança pelo uso dos recursos hídricos, encaminhando-os à instituição responsável pela administração destes recursos;
V. Acompanhar a administração financeira dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos;
VI. Gerir o sistema de informações sobre recursos hídricos em sua(s) área(s) de atuação;
VII. Realizar convênios e contratar financiamentos e serviços para execução das suas competências;
VIII. Elaborar a proposta de orçamento, submetendo-a à análise do(s) comitê(s) de bacias hidrográficas;
IX. Promover estudos necessários à gestão dos recursos hídricos em sua(s) área(s) de atuação;
X. Elaborar o Plano de Recursos Hídricos e encaminhá-lo para análise do(s) comitê(s) respectivo(s);
XI. Propor aos Comitês de Bacias Hidrográficas:
a) O enquadramento dos corpos de água em suas classes de uso, encaminhando-os ao Conselho Nacional ou Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos de acordo com os domínios correspondentes;
b) Os valores cobrados pelo uso dos recursos hídricos;
c) O plano de aplicação dos recursos arrecadados;
d) A divisão dos custos das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo. (ecodebate)

Fatalidade climática ou ela foi construída?

Crise hídrica. Uma fatalidade climática ou ela foi construída?
“Se considerarmos o mesmo nível de ‘exportação de água’ hoje, para uma população de 200 milhões de habitantes, estaríamos exportando 560 litros de água/ano por habitante”, diz o economista.
A partir da crise hídrica que já afeta alguns estados brasileiros, devem ser feitas as seguintes questões: “Por que chegamos a esse ponto? A quem interessa a crise da água? É uma fatalidade climática ou ela foi construída?”, sugere Humberto Miranda em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.
Ele lembra que embora a agricultura tenha demandado um uso expressivo de água com a expansão do agronegócio, a “chamada ‘crise hídrica’, por seu turno, tem mais a ver com o urbano: indústria e urbanização”.
De acordo com ele, o consumo de água industrial e o uso doméstico apresentam uma situação mais complexa, porque estão relacionados “às formas de produção intensivas em recursos naturais (desperdiçam/degradam) ou às características específicas de um segmento em franco crescimento, como o de bebidas alcoólicas e não alcoólicas”. Para fabricar apenas um litro de bebida, por exemplo, são gastos entre 1,5 e 3 litros de água.
Contudo, pontua, a expansão urbana é o ponto “mais grave de todos” quando se analisam as causas do desperdício de água. “A questão central está no ritmo de crescimento das manchas urbanas. Esse é um dado mais estrutural e que não se resolverá tão cedo, mas poderá ser o calcanhar de Aquiles da crise das águas urbanas”, frisa. E acrescenta: “O avanço do capital imobiliário, através da valorização/especulação do uso/ocupação dos solos e na disputa pela localização vantajosa contribui vigorosamente para essa expansão”.
Humberto Miranda é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, mestre e doutor pelo Instituto de Economia da Universidade de Campinas – Unicamp. Atualmente é professor da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Desenvolvimento Econômico – CEDE e desenvolve estudos e pesquisas na área de Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente, com ênfase na questão regional e urbana.
IHU On-Line – Como o fato de a economia brasileira ser uma economia que depende da exportação de commodities impacta na crise hídrica que estamos vivendo?
Humberto Miranda – “Numa matéria do jornal O Globo de 11/09/2012, intitulada ‘Brasil exporta cerca de 112 trilhões de litros de água doce por ano”, fez-se uma estimativa aterradora. Se considerarmos o mesmo nível de “exportação de água” hoje, para uma população de 200 milhões de habitantes, estaríamos exportando 560 litros de água/ano por habitante. Só que não adianta individualizar o problema. Essa informação se refere ao setor agroexportador, mas não sabemos ainda o quanto isso tem afetado ou impactado o abastecimento humano. Também não se trata de cada um de nós reduzirmos o consumo individual, que tem efeito no curto prazo. Isso ajuda até certo ponto, mas os limites são mais dramáticos. Trata-se de perguntar: por que chegamos a esse ponto? A quem interessa a crise da água? É uma fatalidade climática ou ela foi construída?
IHU On-Line – Qual é o custo para o Brasil da exportação de água via commodities? Qual é o impacto econômico desse processo de exportação de água?
Humberto Miranda - Vamos, em primeiro lugar, separar as coisas. A questão da exportação de commodities tem a ver com a forma como o Brasil foi resolvendo a vulnerabilidade externa, fragilizado pela falta de crescimento industrial e com sérios gargalos na infraestrutura. Dada tal exigência exportadora, fomos expandindo o agronegócio. Só que as características de nossa agricultura tropical obrigam um elevado gasto de água/hectare em determinadas culturas que necessitam de irrigação em larga escala e em mais intervalos de tempo. Uma técnica conservacionista como a do Plantio Direto, utilizada na cultura de grãos (soja), em que há maior preocupação conservacionista dos solos e das águas, foi introduzida muito tempo depois da substituição do modelo de modernização agrícola subsidiado pelo Estado que vigorou nos anos de 1970 e entrou em crise nos 1980.
Aquele modelo era desperdiçador de recursos naturais e incentivava o desmatamento provocando sérios processos de erosão dos solos. Foi um modelo que intensificou a degradação ambiental (poluição, desmatamentos, perda de solos e águas, etc.). Com a crise da dívida externa e as restrições à expansão do financiamento (e do crédito agrícola em particular), houve uma redução dos subsídios na agricultura e isso fez com que o custo aumentasse para o empresário rural. A solução seria construir um modelo mais conservacionista. Todavia, a preocupação não era necessariamente com os impactos ambientais, mas como a queda dos investimentos e prejuízos ao empresário rural, que viu sua lucratividade cair rapidamente.
Pós-1990, com a ascensão da chamada “agricultura verde”, os agricultores foram convertendo seus sistemas de produção. O apelo conservacionista é funcional ao novo modelo de agricultura quanto à diminuição do uso de defensivos (“venenos”) nas lavouras, mas não perdeu suas características centrais de ser concentrador de terra, degradador de recursos naturais e promotor de relações de trabalho precárias ou de baixa qualificação/remuneração. Essa é a questão. Não é apenas porque a água é utilizada para produzir soja ou para matar a sede do gado ou como um insumo, etc., mas porque ela é disputada por grupos econômicos (agroindustriais) poderosos e desperdiçada por falta de controle público.
O mercado olha para o produto e não para o manejo dos solos e das águas. Por exemplo, a soja orgânica no Brasil é certificada e valorizada no mercado internacional, mas as técnicas de manejo ainda prejudicam o solo (revolvem o solo com mais frequência e há maior perda superficial dos solos que no Plantio Direto). No caso da criação de animais, estimulada pelo poder dos grandes frigoríficos dos grupos JBS (FriBoi) e Marfrig, muitos córregos estão sendo fechados impedindo que as águas alimentem os rios. Os rios estão sobre perdas de água. Essa água é “exportada” nas carnes e nos grãos. Esta é a situação do Centro Oeste hoje, que sofre uma progressiva e acelerada degradação em seus recursos naturais. Ninguém pergunta: quanto de água se exporta? Então, a questão é anterior à crise da água atual. É um problema que já existia e que foi agravado nos anos 2000 em diante.
“A transposição do Rio São Francisco, por exemplo, seria hoje um problema ou uma solução?”
IHU On-Line – O crescimento rápido e desordenado das populações urbanas, marcado pelas desigualdades sociais e também pela negligência com o meio ambiente, pode agravar a crise hídrica? De que maneira?
Humberto Miranda - A chamada “crise hídrica”, por seu turno, tem mais a ver com o urbano: indústria e urbanização (expansão urbana). As estimativas, em geral, dizem que o uso doméstico, o industrial e o agrícola da água, respectivamente, são de 10%, 20% e 70%. Tenho chamado atenção para o fato de que, no caso da agricultura (emineração), esse uso é muito concentrado por usuário e o nosso modelo de agricultura irrigada precisa ser totalmente revisto, tanto no que tange à legislação ambiental/recursos hídricos quanto à eficiência econômica e ao acesso/uso privilegiados dos grandes demandantes. A transposição do Rio São Francisco, por exemplo, seria hoje um problema ou uma solução? A meu ver, seria um problema, porque as nascentes do rio no Sudeste (Minas Gerais) foram comprometidas pela falta de chuvas e de manejo inadequado das águas.
No caso do consumo de água pela indústria e do uso doméstico (serviços de abastecimento), a situação é mais complexa porque está relacionada às formas de produção intensivas em recursos naturais (desperdiçam/degradam) ou às características específicas de um segmento em franco crescimento, como o de bebidas alcoólicas e não alcoólicas. Para fabricar um 1 litro de bebida não alcoólica, por exemplo, gastam-se entre 1,5 e 3 litros de água. Gostaria de ver os critérios de eficiência ambiental e certificação sendo aplicados nessa indústria, porque elas têm garantia de atendimento à sua demanda firme de água. Existem medidas de caráter econômico-ambiental que poderiam perfeitamente ser usadas nesses casos.
Expansão urbana e especulação imobiliária
“A nossa crise não é propriamente de falta d’água, mas do colapso do sistema de abastecimento”
O caso do modo de expansão urbana é o mais grave de todos. Desperdício de água na cidade pelos grandes usuários (grupos econômicos e bairros de elite) é algo comum: lavagem de calçadas e de automóveis com água potável deve ser tratado como crime ambiental. São segmentos das classes médias sem compromisso ambiental que cometem esses atos, são empresas sem noção do valor dos recursos hídricos, que precisam ser multadas para mudar de comportamento. O uso humano/residencial da água não é respeitado. Quando a Sabesp diminui a pressão da água, penaliza a população pobre em benefício dos usuários mais abastados ou com recursos para ir à justiça cobrar o que é de direito de todos, mas que está sendo individualizado. Porém, a questão central, a meu ver, está no ritmo de crescimento das manchas urbanas. Esse é um dado mais estrutural e que não se resolverá tão cedo, mas poderá ser o calcanhar de Aquiles da crise das águas urbanas.
As cidades de hoje crescem além de seus limites e tornam-se conurbadas rapidamente. Os incentivos ao uso do transporte individual em detrimento do público também estimulam essa expansão, inclusive porque boa parte da classe média alta mora em condomínios fechados, nos limites da cidade ou afastados destes. O avanço do capital imobiliário, através da valorização/especulação do uso/ocupação dos solos e na disputa pela localização vantajosa contribui vigorosamente para essa expansão. Empresas como MRV e Cyrela ganham mais na valorização dos terrenos que nas construções em si. O prédio ou a casa construída é seu custo fixo barateado ao máximo. O terreno sujeito à especulação é seu superlucro.
Nesse processo, a população está perdendo o direito à cidade e o acesso ao abastecimento de água também. Deslocada para longe do lugar de trabalho, torna-se ainda mais carente de serviços de infraestrutura. Tanto é que, proporcionalmente, o ritmo de crescimento da mancha urbana tornou-se mais acelerado que o ritmo de crescimento da população urbana, que continua superconcentrada nas grandes cidades.
Com o avanço da especulação imobiliária na última década, o espraiamento da cidade puxado pela valorização dos terrenos favorece os impactos aos solos e às águas. A ampliação da infraestrutura e dos serviços é garantida desigualmente. Por isso que a cidade cresce expulsando moradores para perto de mananciais, piorando as condições de captação de água em quantidade e qualidade adequadas. Estima-se que só em São Paulo um milhão de pessoas ocupem essas áreas de preservação permanente. Culpam os ocupantes, mas não culpam os interesses especulativos que não desocupam prédios vazios nos centros urbanos em flagrante desrespeito à função social da propriedade.
Judiciário
O judiciário é incompetente nessa questão porque privilegia o direito de propriedade em detrimento do que estabelece o Estatuto da Cidade e a Constituição Federal. Dessa maneira, o crescimento das áreas de ocupação irregular e a dificuldade de ampliar a rede de abastecimento d’água contribuem para o espraiamento da cidade e isso encarece o investimento público e compromete a rede de águas que não dá conta. Há sucateamento, vazamentos, falta de manutenção, “gatos”, etc. As parcerias público-privadas nem sempre dão conta da cidade como um todo e privilegiam áreas com maior retorno econômico.
Por outro lado, nossa rede urbana é muito concentrada. Grandes cidades localizadas em áreas metropolitanas e outras grandes cidades situadas fora do espaço metropolitano tornaram-se um problema. Grosso modo, em cerca de 610 grandes cidades brasileiras estão concentrados 130 milhões de brasileiros, aproximadamente, sendo que, nas demais, quase cinco mil cidades, concentram-se algo em tono dos 70 milhões de brasileiros. A questão do abastecimento de água nas cidades onde as manchas urbanas se expandem num ritmo maior se tornou extremamente grave e a dificuldade de realizar saneamento ambiental (água e esgoto) em cidades dispersas num vasto território encontra dificuldades.
A maioria dos municípios nem sequer acessa recursos financeiros disponíveis (verba federal) do fundo de saneamento. Poucos usam o dinheiro. Ademais, apesar de haver uma legislação própria para a gestão de áreas metropolitanas, não se veem iniciativas governamentais para lidar com o problema das “águas urbanas”, falta d’água, preservação de mananciais ou combate a enchentes de forma efetiva. A cisterna que capta água da chuva foi uma solução de suma importância para as áreas rurais do Nordeste, mas nenhuma iniciativa apropriada às cidades foi proposta. São iniciativas individuais que predominam ao estilo “salve-se que puder”. Na verdade, seria preciso criar uma novainfraestrutura urbana para lidar com o problema das águas, bem como reduzir a impermeabilização dos solos urbanos, aumentar as áreas verdes para, ao menos, amenizar a situação e, no caso de São Paulo, parar de fazer viadutos nas zonas de vale e realizar a abertura de córregos. São medidas que não exigem novas construções, mas que não são feitas. Os governos atendem aos interesses das empreiteiras, mas não dos cidadãos.
IHU On-Line – Quais as diferenças entre crise hídrica e crise de abastecimento? Em que momento a crise hídrica pode nos levar a uma crise de saneamento?
Humberto Miranda - O problema desencadeado agora no estado de São Paulo, em especial, é mais uma crise de abastecimento do que crise hídrica. Não falta água no Brasil. A idade da pedra, como disse o economista Delfim Netto, não acabou por falta de pedra. A nossa crise não é propriamente de falta d’água, mas do colapso do sistema de abastecimento, da má gestão e das “aventuras hídricas” da Sabesp, que protegeu seus investidores e não a população (usuários). A Sabesp acabou de distribuir dividendos para seus acionistas nos EUA em meio à crise. Atribuir o problema a uma fatalidade (estiagem prolongada) é uma forma de evitar as explicações.
Esta crise é, a meu ver, eminentemente urbana, porque é de abastecimento humano nas áreas territorialmente mais concentradas de pessoas e que sofrem com o ritmo de crescimento da mancha urbana onde ela ocorre de maneira mais dramática. Se do ponto de vista do desperdício ou do gasto, a agricultura e a indústria utilizam muito mais água que o consumidor residencial, do ponto de vista urbano a situação é mais grave e pode levar a conflitos sérios porque interesses econômicos estão sendo privilegiados em detrimento do abastecimento da população, salvo os casos em que a água deve ser garantida prioritariamente, como nos hospitais. Portanto, o problema tem suas implicações urbanas como as centrais, além do fato de nossa agricultura ser mesmo “exportadora de água”. (ecodebate)

Manejo de Pastagem Ecológica e a produção de água

Como os pecuaristas podem contribuir na produção de água e de passagem recuperar e aumentar a produtividade das pastagens, melhorar a saúde e bem-estar dos animais e se livrar da pecha de inimigos do Meio Ambiente.
O verão 2014-2015 provavelmente ficará marcado como o período em que a consciência da população brasileira despertou definitivamente para necessidade de se tratar com mais seriedade a questão da água.
Quase que diariamente aparecia no noticiário a crise hídrica da maior cidade do país onde, parecendo capítulos de uma novela de suspense, era divulgado o nível cada vez mais baixo dos reservatórios do Sistema Cantareira, principal abastecedor de água da cidade de São Paulo. Com o início da utilização dos “volumes mortos” – reservas existentes abaixo do nível normal de captação dos reservatórios -, a preocupação só aumentou. O que fazer para se evitar um possível colapso do abastecimento d´água, com todas as suas terríveis consequências?
A imprensa tem dado ênfase às inúmeras medidas e atitudes oficiais e da população que podem contribuir para diminuir o problema. Melhorias nos sistemas de captação, tratamento e distribuição da água tratada é tema constante. E não sem razão, já que historicamente no Brasil cerca de 30 % da água tratada se perde antes que tenha o seu uso previsto. Outro ponto de aceitação pacífica é a necessidade de racionalização do uso da água, em todos os setores da sociedade, com mudanças de atitude visando formas mais eficientes de uso da água e exclusão de hábitos perdulários. A armazenagem e utilização da água das chuvas, o reuso das águas servidas nas residências e empresas e o tratamento do esgoto prevendo o reuso da água são também alternativas bastante discutidas.
Pouco se fala, porém de uma coisa que considero da maior importância: a produção de água. Sabemos que a produção de água é afetada por inúmeros fatores que vão desde consequências do aquecimento global a períodos cíclicos de seca ou diminuição do índice de chuvas em determinadas regiões causadas seja por fenômenos naturais ou atitudes equivocadas da “civilização moderna”.
O problema da falta d’água às vezes se apresenta de forma tão grave e generalizada – como tem ocorrido nos últimos tempos -, que alguns até acham que a única alternativa é rezar e rogar à divindade pela solução.
Devemos sim, “rezar” pela solução do problema, mas com atitudes concretas que contribuam. E existem atitudes que a nível local e regional podem contribuir muito para a uma melhor produção de água. Estou convencido de que a melhor atitude possível é buscar uma melhor cobertura vegetal do solo, adotando-se práticas agrícolas que contribuam para isto.
Qualquer pessoa com mais de 60 anos, com conhecimento da área rural, há de se lembrar como os córregos e rios que conheceu na sua infância e juventude eram mais caudalosos… Alguns que não tiveram o privilégio de presenciar pessoalmente devem ter ouvido de algum parente mais velho, “causos” que relatam quanta água tinham os rios que conhecemos, alguns deles hoje em estágio agonizante… Eu gostava muito de ouvir de meu saudoso pai, histórias de quando ele era rapaz e foi canoeiro em Itapina, distrito de Colatina ES, levando de um lado para outro do “imenso” Rio Doce, em sua canoa, a carga e os arreios das “tropas” de mulas enquanto os tropeiros as faziam passar a nado para o outro lado. Hoje em muitos lugares, o antigo majestoso Rio Doce permite que seja atravessado à pé.
Ainda sobre o Rio Doce, eu já tinha escrito este artigo até este ponto, quando participei em 11/03/15 no auditório da Rede Gazeta em Vitória ES, do Fórum SOS Rio Doce que teve a finalidade de divulgar o “Projeto Olhos d’água”, do Instituto Terra, uma organização criada em Aimorés MG pelo casal Sebastião Salgado e Lélia Wanick (www.institutoterra.org).
O Sebastião Salgado dispensa apresentação, pois ele é simplesmente o mais famoso fotógrafo, com reportagens fotográficas realizadas em 150 países. Já o Projeto Olhos d’água, é ao mesmo tempo simples e extremamente ambicioso. Utilizando práticas pouco onerosas e de simples aplicação, o projeto tem o objetivo de recuperar e proteger TODAS as nascentes do Rio Doce. Este projeto iniciado há 5 anos, que já recuperou cerca de 1000 nascentes, apoia principalmente duas ações muito simples: cercar a área de CADA UMA das nascentes, para evitar que o gado contamine a água e compacte o solo e reflorestar a área entorno das nascentes, para ajudar a reter e manter a umidade e, também instalar fossas sépticas nas residências de TODAS propriedades rurais para evitar a contaminação do solo e da água pelos dejetos humanos.
Na sua fala o Sebastião enfatizou, como também já afirmei no início do artigo, a necessidade de que haja uma boa cobertura do solo, para manter a umidade. E fez uma divertida analogia com sua conhecida “deficiência capilar”: se ele e uma pessoa com bastante cabelo molhassem a cabeça, qual secaria primeiro? A sua ou a do cabeludo?
Agora voltando ao que realmente nos interessa, em que situação teremos maior absorção e retenção da umidade (água das chuvas): um solo degradado, com rala cobertura vegetal ou um solo com excelente cobertura vegetal, em 3 estratos: o rasteiro, o arbustivo e o arbóreo?
Pastagem degradada em pastoreio convencional no Sul do Espírito Santo: a situação mais comum!
Pastagem em Pastoreio Voisin – Fazenda P.U. de João R. de Arruda Sampaio – Urutaí – Goiás
A pergunta que eu faria ao Sebastião Salgado é a seguinte: não seria também muito interessante, se fosse possível, que além da proteção e recuperação das nascentes, promover também a recuperação das pastagens degradadas, que na maior parte dos casos, é o ambiente que fica no entorno das nascentes? Aumentando assim a absorção das águas das chuvas e sua retenção no solo, abastecendo os lençóis freáticos que alimentam as nascentes?
A resposta seria provavelmente um sonoro e retumbante SIM! Mas como fazer isto se as técnicas normalmente recomendadas para a recuperação de pastagens degradadas são complicadas e muito onerosas? Realmente, as técnicas convencionais para recuperação de pastagens degradadas incluem quase sempre a mecanização e adubação do solo com replantio das espécies forrageiras. Estes procedimentos são impraticáveis técnica e economicamente para grande parte dos produtores rurais.
Eu tenho, porém uma boa notícia: existe um processo de recuperação das pastagens degradadas de forma natural, econômica e eficiente. Trata-se de fazer oposto do que provocou a degradação das pastagens: evitar o pastoreio contínuo e implantar sistema de manejo que leve em conta tanto as necessidades da pastagem quanto do gado. Ou seja, necessitamos promover a rotação racional das pastagens com aplicação dos conceitos do Pastoreio Voisin!
A Rotação das pastagens não é uma técnica desenvolvida pelo homem, mas sim uma regra natural e universal, que vem possibilitando, p. ex., a manutenção das pastagens em grandes regiões da África, permitindo a existência, há milênios, que imensas manadas de herbívoros bem alimentados sobrevivam sem que haja degradação destas pastagens! Os animais se agrupam em grandes rebanhos que estão sempre em constante movimento (rotação), por vontade própria a procura de melhores pastos e de forma forçada para melhor se defenderem de seus predadores. Com a rotação natural, as pastagens de cada setor têm o REPOUSO necessário para seu desenvolvimento adequado, proporcionando a sua sustentabilidade.
Foi em meados do século passado que o cientista francês André Voisin através de observação deste e de outros processos naturais, de longos estudos e 12 anos de experimentação em sua fazenda, formalizou e publicou em sua obra-prima “Produtividade do pasto”, os fundamentos do Pastoreio Racional, que hoje, em sua homenagem, é conhecido por Pastoreio Voisin.
O Pastoreio Voisin é baseado em quatro Leis Universais, duas voltadas para o pasto e duas voltadas para o gado. Neste contexto nos interessa particularmente as duas “Lei do Pasto”: Lei do Repouso, que determina que após cada período de ocupação a pastagem passe por um período de repouso que lhe permita atingir novamente as condições ideais de desenvolvimento e Lei da Ocupação, que recomenda que o período de ocupação da pastagem pelo gado seja o menor possível. A simples aplicação destas duas leis ocasiona a interrupção do processo de degradação e promove uma gradativa recuperação e melhoria da pastagem.
Quando associamos o Pastoreio Voisin com o Sistema Silvipastoril (consórcio de árvores com pastagens) e também buscamos uma diversidade das forrageiras, obtemos o sistema que denominei Manejo de Pastagem Ecológica - Sistema Voisin Silvipastoril. Este sistema, ao incorporar e potencializar as vantagens do Pastoreio Voisin e do Sistema Silvipastoril, permite que tenhamos uma pastagem de alta produtividade, sustentável e mais próxima possível de um ambiente natural, que proporcionará além de abundante alimentação para os animais, inúmeros “serviços ambientais” extremamente desejáveis. Por isto o MPE pode ser considerado o melhor sistema de manejo de gado a campo atualmente existente.
O Manejo de Pastagem Ecológica tem efeitos positivos sobre o gado, a pastagem, o solo, o meio ambiente e também sobre organização e a rentabilidades da propriedade. Dos benefícios ou vantagens alguns são obtidos a curto e médio prazo e alguns em longo prazo:
São benefícios e resultados obtidos a curto e médio prazo:
- Recuperação das pastagens em diferentes graus de degradação. A degradação das pastagens é interrompida com o início do manejo e a recuperação progressiva pode ser notada já durante o primeiro ano.
- Aumento da capacidade de suporte (n° de animais por hectare). Já no primeiro ciclo de manejo, o número de animais poderá ser 50 % superior ao usado no sistema convencional. O aumento da capacidade é progressivo, podendo chegar a 3 vezes a capacidade alcançada no sistema de pastoreio contínuo. A rentabilidade líquida da atividade pecuária, que é influenciada também por outros fatores afetados pelo projeto, pode chegar a cinco vezes a da propriedade que apresentasse anteriormente um quadro de pastagens degradadas e manejo convencional.
- Aumento da docilidade ou manuseio dos animais, que implica em maior facilidade no manejo dos animais, redução na mão de obra e do índice de acidentes na propriedade e no transporte dos animais;
- Redução da mão de obra, principalmente pela maior facilidade de manejo do gado e a diminuição da necessidade de suplementação dos animais que passam a retirar diretamente dos piquetes toda ou quase toda a alimentação que necessita.
São benefícios e resultados obtidos em longo prazo:
- Redução do processo de erosão laminar (perda superficial de solo). Com o tempo a cobertura do solo fica cada vez mais densa, impedindo ou reduzindo drasticamente a erosão laminar, evitando a perda de fertilidade do solo e o assoreamento de corpos d’água.
- Melhorias das condições físicas do solo, com a permeabilidade, o aumento do índice de matéria orgânica do solo e a capacidade de absorver e reter água.
- A melhor cobertura do solo dificulta a movimentação das águas de chuva, ajudando na retenção das águas e facilitando sua absorção pelo solo;
- Ocorre um aumento progressivo da profundidade das raízes das forrageiras das pastagens. Quando uma planta morre, suas raízes se decompõem, originando canais que permitem que as águas das chuvas penetrem com mais facilidade no solo.
- O aumento progressivo do índice de matéria orgânica do solo melhora a capacidade de absorver e reter a água por mais tempo. A matéria orgânica decomposta originária das raízes em constante processo de reciclagem constitui uma eficiente forma de fixar o carbono no solo.
- Aumento da vasão das nascentes e cursos d’água influenciados pelo projeto de Manejo de Pastagem Ecológica. Este aumento é uma consequência das melhorias descritas no item anterior que facilitam o abastecimento dos lençóis freáticos.
- Aumento progressivo da fertilidade do solo, em função da volumosa e concentrada deposição dos dejetos do gado (cerca de 40 kg/animal/dia) e da ativação da biocenose (vida do solo) que através de processos bioquímicos ajudam na decomposição dos restos vegetais e na disponibilização de nutrientes anteriormente indisponíveis do solo;
- No seu clímax de desenvolvimento, um projeto de Manejo de Pastagem Ecológica, transforma a pastagem convencional numa “Pastagem Ecológica”, que corresponde a uma maior aproximação possível de um ambiente natural, uma pastagem em multi-estrato em que convivem em harmonia diversas espécies forrageiras no primeiro estrato, milhares arbustos forrageiros num segundo estrato arbustivo além de dezenas de árvores num terceiro estrato arbóreo. Se esta situação tem a propriedade de modificar o microclima local, sua repetição em escala regional, numa escala regional, numa situação ideal, poderá modificar para melhor o clima de toda uma região, incluindo o índice de chuvas.
Acredito que o mundo todo acabará por entender que as tecnologias com maior potencial para resolver os graves problemas ambientais mundiais, são exatamente aquelas que a própria natureza nos ensina (tecnologias de processos) e não fabulosas tecnologias baseadas em complexos produtos industriais artificiais e poderosas máquinas (tecnologias de insumo).
A utilização de conceitos simples, mas com enorme potencial de resolver problemas, cresce em todo o mundo. Um exemplo marcante, que também é baseado nos ensinamentos de André Voisin é o chamado “Holistic Management” desenvolvido por Allan Savory (www.savoryinstitute.org) que num impactante vídeo/palestra de 20 minutos (com legenda em português) mostra como a desertificação avança pelo mundo e como é possível reverter este processo que é uma das principais causas das mudanças climáticas globais. Veja:  https://www.ted.com/talks/allan_savory_how_to_green_the_world_s_deserts_and_reverse_climate_change?language=pt-br.
Inúmeros outros vídeos sobre Holistic Management podem ser encontrados no Youtube.  Aqui no Brasil temos o trabalho do Engenheiro Agrônomo Alberto Miguel (albertomiguel@shaw.ca), totalmente envolvido com Gerenciamento Holístico (HM em português) cujo blog: www.gerenciamentoholistico.blogspot.com e o grupo no Facebook: “Manejo Holístico de Pastagem” vem trazer esta importante ferramenta aos brasileiros.
Outra tecnologia produtora de água que vale a pena conhecer é o CBZ “Conceito Base Zero” desenvolvida pelo Eng. José Artur Padilha da Fazenda Caroá em Afogados de Ingazeira PE, que com simples barragens artesanais em cursos de água intermitentes, propicia o armazenamento subterrâneo de água para utilização o ano todo. É imperdível o vídeo do Programa Globo Rural a respeito do CBZ: https://www.youtube.com/watch?v=UF3zT7rJM4g.
O Manejo de Pastagem Ecológica é uma dessas tecnologias de processo, em que fazemos uma parte ou “damos um toque” e a natureza faz o resto! Necessitamos inicialmente dividirmos as pastagens ou implantar os piquetes para o manejo Voisin. A partir daí, já com a pastagem em evolução positiva, iniciam-se os procedimentos relativos à diversificação das forrageiras e à arborização. É importante que todas estas fases sejam realizadas a partir de projetos técnicos bem elaborados.
Em nossos cursos de capacitação em Manejo de Pastagem Ecológica, costumamos dividir o conteúdo em quatro partes:
1) O que evitar;
2) O que fazer;
3) Porque fazer?;
4) COMO FAZER. Esta última parte, quase sempre pouco valorizada pelos consultores, é uma garantia de sucesso. Utilizando um padrão de cercas elétricas próprio, com ferramentas exclusivas e peças artesanais que substituem com vantagens funcionais e econômicas onerosos produtos industriais, a “cerca Elétrica padrão Fazenda Ecológica” possibilita a implantação de projetos de forma prática, eficiente e econômica.
Os benefícios ambientais do Manejo de Pastagem Ecológica são tantos, que pode parecer que os benefícios e vantagens econômicas para a pecuária são menos importantes. Pelo contrário, o aumento da produtividade, a economia em insumos, remédios e suplementos para o gado, o menor gasto com mão de obra, refletem numa melhor rentabilidade líquida da propriedade, trazendo benefícios diretos para o bolso do produtor!
O Manejo de Pastagem Ecológica, a partir do ano 2000, foi adotado por diversos programas Institucionais e/ou governamentais com diferentes objetivos: Programa Amazônia Sem Fogo - MMA e Cooperação Italiana (Alternativa ao uso do fogo na Amazônia); Programa VidAmazônia – PRONATURA/PNUD (Manutenção da biodiversidade); Programa Corredores Ecológicos – (MMA e Cooperação Alemã); Programa de Conservação Amazônica - TNC (Pecuária Sustentável); Projeto Assentamentos Sustentáveis na Amazônia - IPAM (Pecuária Sustentável); Curso de Capacitação em Sistemas de Tecnologia Agroflorestal - Embrapa Amazônia Oriental – RETAF (Curso de capacitação em MPE); Projeto Cerrado Jalapão - MMA e Cooperação Alemã (Alternativa ao uso do fogo no Cerrado).
Recentemente, concorrendo com tecnologias ofertadas por grandes Universidades e Centros de Pesquisas, o Manejo de Pastagem Ecológica foi selecionado e está sendo utilizado por importantes programas voltados para a produção de água, como o Projeto Semeando Água - Instituto IPE e Petrobras Ambiental – Sistema Cantareira (SP) e o Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável – Microbacias II - Secretarias de Meio Ambiente e de Agricultura de SP e Banco Mundial – Bacia do Rio Paraíba do Sul – (SP).
É com grande satisfação que vejo que uma tecnologia cuja formalização se iniciou em 1987 a partir de num trabalho despretensioso voltado para a “formação ecológica de pastagens no cerrado” realizado na nossa Fazenda Ecológica (www.fazendaecologica.com.br) já se transformou em uma política pública.
Jurandir Melado é Eng. Agr., Professor Da UFMT (aposentado), Consultor e autor de livros sobre Manejo Sustentável de Pastagens.
Área recuperada na Fazenda Ecológica: Antes e depois do Manejo de Pastagem Ecológica.
Gado em Pastoreio Voisin na Pastagem Ecológica – Fazenda Ecológica – MT (ecodebate)

Aquecimento global é pior para os mais pobres

O aquecimento global reflete a desigualdade institucionalizada, pois, atinge diretamente aqueles que possuem os menores recursos à sobrevivê...